Se o Brasil acordasse sem empregadas

Neste dia e nos seguintes, milhões de mulheres e homens (mais mulheres do que homens) faltariam ao trabalho

Imagine se, num passe de mágica, o Brasil acordasse sem empregadas e babás. As áreas de serviço vazias, os cestos de roupa transbordando, os bebês chorando no berço. Neste dia e nos seguintes, milhões de mulheres e homens —mais mulheres do que homens— faltariam ao trabalho. As baias vazias, as tarefas transbordando.

Dentro das casas, o caos. Algumas mulheres, que tiveram que abandonar seus empregos para cuidar dos filhos, passam a esperar seus maridos no final do dia com um avental cheio de fúria. Ninguém mais transa. Uma onda de divórcios assola o país, e não há sequer cartorários o bastante para lavrar essas certidões, já que esses também estão buscando filhos na escola ou fritando bifes.

O mercado imobiliário é aquecido: homens e mulheres separados buscam flats e pequenos apartamentos. Ricaças desesperadas por ter que lavar sete privadas de sete suítes colocam seus imóveis à venda. Diversas famílias aderem à roupa amassada. Ninguém mais anseia por um chão que esteja brilhando. O individualismo cede e redes de apoio começam a pipocar por todos os cantos. Alguns avós lamentam, outros celebram: nunca foram tão requisitados.

Chefes de indústrias, empresas e comércio demitem funcionários por faltas e contratam outros, sem filhos. Logo percebem que essa mão de obra não é o bastante. Passam a procurar seus antigos funcionários. Para reabsorvê-los, abrem mão de horas extras. De minutos extras. Passam a aceitar cargas horárias menores, resignando-se ao clássico “das nove às cinco”.

A partir daí, pais e mães pressionam escolas para também se adaptarem ao novo horário. O período integral ou semi-integral passa a ser a regra. O movimento não se restringe à colégios particulares. Empresas, sindicatos e milhões de famílias passam a pressionar o governo por mais creches e escolas públicas também em período estendido. Os parlamentares que ainda estão casados, exaustos de não transar com seus cônjuges, de usar camisas amarrotadas e levar filhos para a natação, passam a lutar por medidas que apoiem o cuidado doméstico. Leis são aprovadas com uma agilidade inédita no mundo legislativo.

Não só isso: alguns parlamentares, que passaram a arear panelas, cerzir uniformes, passear com pets e trocar fraldas de bebês ou idosos finalmente entendem o valor do serviço que sustenta o funcionamento de todo o sistema capitalista. Por vontade de fazer justiça ou de fazer um extra, começam a pleitear remuneração para quem desempenha o trabalho reprodutivo e doméstico no país.

Enquanto isso, as (ex) empregadas e babás ocupam cargos de homens e mulheres que estão em casa. Pela primeira vez têm a chance de escolher empregos que tenham a ver com suas aptidões. Muitas estudam à noite em vez de assistir novela em exíguos quartos de serviço. Outras, por escolha própria, voltam a fazer faxina, mas por valores altíssimos. Outras fazem bicos de baby-sitter com a hora a preço de ouro. E finalmente cuidam de seus próprios filhos.

A pirâmide racial é sacudida. Diversas famílias de classe alta resolvem deixar o Brasil em busca de melhores oportunidades. Embarcam para os Estados Unidos e para os países europeus —finalmente vão viver como gente civilizada!— e lá descobrem que nada é diferente daqui.

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