“Sem rim”, vaidoso, fã de arrocha, arteiro: 10 fatos sobre Isaquias Queiroz

Conheça mais sobre Isaquias Queiroz, o baiano de Ubaitaba, de 22 anos, que é bicampeão mundial de canoagem velocidade, levou prata no C1 1000m e segue como esperança de medalha

Poe Gabriel Fricke Do Globo

Com apenas 22 anos, um menino nascido na pacata Ubaitaba, no interior da Bahia, que tem cerca de 22 mil habitantes, vê nos Jogos Olímpicos do Rio uma oportunidade de brigar por três medalhas olímpicas. A primeira ele já garantiu. O brasileiro cruzou os 1000m da raia da Lagoa Rodrigo de Freitas e escreveu seu nome no livro de ouro do esporte ao ganhar a inédita prata na modalidade. E Isaquias Queiroz quer mais. Ele disputará as provas do C1 200m e do C2 1000m – esta em parceria com Erlon de Souza.

Muito conhecido em sua modalidade e tido como referência principalmente pelas crianças que começam nesse esporte nas categorias de base, Isaquias ainda é um desconhecido do grande público. Mas seus feitos falam por si. Em 2011, foi prata no C1 500m e ouro no C1 200m no Mundial Júnior. Em 2013, entre os adultos, levou a primeira medalha do Brasil nessa modalidade em uma prova olímpica no Mundial. Foi bronze no C1 1000m. Depois, sagrou-se campeão mundial pela primeira vez. Foi no C1 500m, prova não olímpica.

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Em 2014, caiu pertinho da linha de chegada na final do C1 1000m e ficou fora do pódio, mas se recuperou e, no dia seguinte, levou ouro no C1 500m e se tornou bicampeão do mundo aos 21 anos, além de ganhar um bronze no C2 200m, ao lado de Erlon Souza. No Mundial de 2015, foi 3º no C1 200m e primeiro no C2 1000m, ajudando a classificar o Brasil para a Olimpíada nessas provas. Eleito atleta do ano de 2015 no Prêmio Brasil Olímpico, Isaquias é muito, muito talentoso. Seu biotipo é considerado quase perfeito para sua modalidade, mas seu jeito de ser é único e, às vezes, dá trabalho. Brincalhão, vaidoso, querido pelos colegas, o baiano é um diamante bruto, que está sendo lapidado, com muito cuidado, pelo treinador espanhol Jesús Morlán, o mesmo que levou o espanhol David Cal à conquista de cinco medalhas nos Jogos.

Em um especial, o GloboEsporte.com reuniu diversos fatos e curiosidades sobre o jeito e a carreira de Isaquias Queiroz, da canoagem velocidade, que você confere logo abaixo.

INFÂNCIA DURA, MAS SEM FALTAR NADA

Isaquias Queiroz tem cinco irmãos biológicos e quatro adotados. E eram eles que ficavam cuidando do garoto na pequena e humilde casa de três cômodos em um Ubaitaba. A mãe, Dona Dilma, que perdeu seu marido, se desdobrava sozinha com as crianças e com seu trabalho exaustivo como servente na rodoviária da cidade baiana, mas nunca deixava faltar nada. O canoísta, alias, gosta de ressaltar isso, pois diz que teve uma boa infância, com muita brincadeira, muita diversão e que as pedras no meio do caminho foram apenas os acidentes que ele superou.

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QUEIMADURAS E SEQUESTRO

Com apenas três anos, Isaquias sentiu dores fortes na barriga. Sua “cuidadora”, que tinha poucos anos a mais, foi colocar água para fazer um chá. O menino esbarrou nela, e a panela virou, queimando grande parte de seu corpo. Após um mês internado, a mãe de Isaquias tentou tirá-lo do hospital e ouviu do médico que ele iria morrer em casa. Ela assinou um termo de responsabilidade e o levou de volta.

A força do garoto causou inveja em Ubaitaba, e a mãe de Isaquias ouviu por diversas vezes que o menino seria sequestrado. O fato efetivamente ocorreu. Dona Dilma foi chamada às pressas no trabalho. Seus filhos tinham ficado trancados em casa, mas ninguém achava Isaquias. Ela lembrou então de uma mulher que já tinha ameaçado de levar o menino. Uma desconhecida que passava em frente à sua casa disse que tinha visto um garotinho na roça de cacau, sentado de fralda chorando. Dona Dilma foi até lá e encontrou Isaquias. Isso foi dois anos após a quase morte por queimaduras no hospital

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PERDA DO RIM

Arteiro, Isaquias colecionava torções nos braços e pernas enquanto ia crescendo. Com 10 anos, sofreu um acidente grave. Ao tentar subir uma árvore para ver uma cobra morta que estava pendurada em um galho de uma mangueira, ele se desequilibrou e caiu feio em cima de uma pedra, onde ficou desmaiado. Teve hemorragia interna e perdeu um de seus rins. Precisou ficar internado na UTI em um hospital de Itabuna, a 62km de Ubaitaba. Sua mãe dessa vez temeu mais que qualquer outra. Mas, de novo, o guerreiro se safou. Ah, claro, ele ganhou o apelido de “Sem Rim” e, por ter apenas um, até hoje precisa ingerir mais água que seus colegas.

PRIMEIROS PASSOS

Em Ubaitaba, todo mundo anda de canoa. Em tupi, a palavra significa “cidade das canoas”. Também pudera, o Rio de Contas é a principal “via” da cidade do sul da Bahia. Com Isaquias não foi diferente. Mas ele passou a não utilizar a embarcação apenas como meio de transporte e passou a treinar. Logo chamou a atenção de Figueiroa Conceição, à epoca, auxiliar técnico de Jefferson Lacerda, pioneiro da canoagem brasileira e membro da primeira equipe olímpica do país na modalidade, em Barcelona 1992.

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Ele garimpava jovens talentos pelas escolas. Isaquias, que era chamado de “Oreião”, se destacou na primeira vez que foi para a água e entrou em um projeto social para 200 crianças do programa “Segundo Tempo”, do Governo Federal. Conceição tinha 17 anos e era monitor, treinando os meninos mais novos. Aos poucos, colocou o menino para competir. Ele ganhava de todos.

MEMÓRIAS DO ARTEIRO ISAQUIAS

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Como primeiro técnico do canoísta na cidade de Ubaitaba, Figueiroa Conceição sabia melhor que ninguém do potencial do menino Isaquias. Mas sabia bem também de seu potencial para a bagunça. Arteiro, o pequeno atleta aprontava. Toda sexta-feira, os comandados arrumavam seus barcos e ajudavam na faxina do clube, varrendo o chão. Após fazer isso, falavam: “Tchau, professor, já vamos, um lindo fim de semana”.

Conceição achava esquisita a prontidão das crianças para aquela tarefa. E, certo dia, ouviu um barulho vindo da parte de trás da associação onde todos treinavam. Ao chegar às margens do Rio de Contas, estavam todos os alunos nadando e brincando, comandados por Isaquias. Só que, na época, havia uma proibição de tomar banho rio, pois ele era poluído. Figueiroa decidiu então punir o chefe da bagunça e, em uma seletiva nacional, falou que o garoto remaria em uma categoria acima da sua. Isaquias entrou e dominou os meninos mais velhos.

TRABALHO NA FEIRA E PATROCÍNIO DE R$ 50

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Muito antes de se tornar bicampeão do mundo e um atleta olímpico, Isaquias precisou se dividir entre as competições de canoagem e o trabalho na feira de Ubaitaba. Para ajudar a mãe a sustentar os nove irmãos, transportava compras em um carrinho de mão às sextas-feiras e sábados. Ganhavam R$ 1 ou R$ 2 pela “viagem”. Depois, passou a oferecer o serviço em frente aos mercados da cidade também.

Nessa época, em 2009, já havia sido campeão sul-americano. Ele só parou quando Jefferson Lacerda, pioneiro da canoagem, membro da primeira equipe olímpica do Brasil nessa modalidade em Barcelona 1992 e que já foi ajudado financeiramente por um gerente de banco quando precisou, se juntou a um colega para “patrocinar” Isaquias. O atleta, que pedia até roupas emprestadas para poder competir, recebia R$ 50 mensais.

POUCA INTIMIDADE COM OS ESTUDOS

Todos os filhos de Dona Dilma estavam matriculados na escola, mas Isaquias combinava muito mais com um remo na mão que com o livro e o lápis. Figueroa Conceição diz que ele fugia das aulas. O treinador se preocupava com isso. A mãe, inclusive, ameaçava o garoto de não poder mais competir ou treinar, e ele tremia de medo. O bicampeão mundial parou seus estudos na 5ª série do Ensino Fundamental.

CRESCIMENTO E MUDANÇA PARA LAGOA SANTA

Isaquias foi crescendo e colecionando títulos. O mais importante deles veio em 2013, na Alemanha, no C1 500m. O garoto de Ubaitaba se tornava ali campeão mundial pela primeira vez em sua carreira. Voltou para casa e foi muito festejado. A associação de canoagem local recebeu até um novo piso para dar as boas vindas ao atleta.

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O baiano se mudou em busca sempre de crescimento no esporte. Quando Jesús Morlán, vitorioso treinador espanhol e dono de cinco medalhas olímpicas com o atleta David Cal, fechou para comandar a seleção masculina de canoa, Isaquias passou a treinar na raia olímpica da USP, em São Paulo. Depois, quando o comandante encontrou a “lagoa perfeita”, na cidade de Lagoa Santa, Minas Gerais, a joia do Brasil foi para lá. Na pacata cidade mineira, os atletas moram juntos na mesma casa, dividem as tarefas e treinam num local silencioso e tranquilo, com foco total na canoagem velocidade. O regime de treinos de “Suso” é pesado. É ele quem decide os horários e dita as regras. Mais recentemente, com a proximidade dos Jogos, até mesmo ameaçou de confiscar os telefones dos atletas.

“DUBAI CITY DA BAHIA” E ARROCHA

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No esquema de treinamento de Jesús Morlán, os esportista treinam duro por oito semanas e folgam uma, quando aproveitam para sair um pouco de Minas Gerais e da tranquilidade de Lagoa Santa. Geralmente, em sua folga, Isaquias volta à sua cidade natal que, carinhosamente, chama de “Dubai City da Bahia”. Trata-se de uma brincadeira dos locais. Ibiaçu, que fica próxima, é Ibiza. Aurelino Leal tem um bairro apelidado de Coreia.

Se é muito pacata quando comparada ao Rio de Janeiro ou São Paulo, Ubaitaba é agitada perto das outras cidades do sul do estado nordestino. Festa é o que não falta por lá. O local virou ponto de encontro dos amantes do arrocha, paixão de Isaquias Queiroz. Aliás, ele gosta mesmo é do cantor Binho Alves, seu conterrâneo, que canta arrocha romântico, com quem até dividiu palco certa vez em sua cidade. Atualmente, também tem escutado muito o cantor Tinno Flow e, claro, Léo Santana.

“MALUCO BELEZA”: O JEITO ISAQUIAS DE SER

Isaquias é canoísta, mas bem que poderia ser confundido com um jogador de futebol. Do cuidado excessivo com o visual às inúmeras tatuagens e o brinco na orelha direita. Isaquias, aliás, gosta do esporte bretão. Se já remou usando a camisa do Flamengo, com quem tinha um contrato sem remuneração, ele gosta mesmo é do São Paulo. Mas o bicampeão mundial, que joga como goleiro nas peladas que participa, muda de Tricolor apenas no clássico estadual Ba-Vi, quando apoia o Bahia em detrimento ao Vitória.

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O “Maluco Beleza” da canoagem, aliás, gosta mesmo é de cuidar de seu cabelo. Ele sempre quis ter cabelo grande, mas Dona Dilma não deixava. Quando se juntou à seleção, resolveu que enfim teria. Daí saiu o cabelo cacheado que era sua marca registrada. Depois de um tempo, contudo, Isaquias cansou. Dava muito trabalho. Ele mesmo cortou seu cabelo e adotou o novo look. Mais curto, segundo ele, dá menos trabalho e é só “jogar um boné”.

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