Entre os dias 23 e 28/10, lançou a LAB, sua grife pessoal desenvolvida com seu irmão, o também músico Evandro Fióti, em parceria com o estilista João Pimenta, paulistano com forte pegada em alfaiataria e diretor criativo da West Coast.
O cantor levantou com força a bandeira da representatividade e respeito através da primeira coleção da marca, intitulada ‘Yasuke’, alinhada com a diversidade dos consumidores da etiqueta lançada em 2008 como braço de moda do selo Laboratório Fantasma.
Mas quem foi Yasuke?

Yasuke originalmente era um muçulmano nascido em Moçambique, que, após ter sido relegado à condição de escravo, foi levado ao Japão numa missão jesuítica em meados dos anos 1500, num território que hoje seria a cidade de Nagóia. Possuía cerca de 27 anos à época.
Sua chegada causou furor em uma sociedade tão fechada numa época tão remota, onde foi visto praticamente como uma aberração de circo; conta-se que algumas pessoas chegaram a morrer pisoteadas na confusão para conseguir vê-lo, pois todos queriam conhecer ‘o homem que possuía a cor do carvão‘. Na presença do daymio (senhor feudal daquela região) chegou a ser obrigado a lavar-se da cintura pra cima para provar que a cor negra da sua pele era real.
Apesar de sua condição, sabia ler e escrever, além de ser um hábil ferreiro e exímio lutador. Seu porte e força também eram impressionantes: do alto dos seus 1,87m de altura, era fácil intimidar os possíveis assassinos e outros inimigos do daymio, que ficou encantado com suas qualidades e perfil fora dos padrões. Nas crônicas de Nobunaga (o daymio) há um registro de que “sua força era maior que a de 10 homens”. E assim, Yasuke foi ofertado a ele como um presente e consagrado com este nome (seu nome africano original seria Yasufe).

Como aconteceu com alguns escravos ao longo da História, Yasuke foi tratado como uma peça de colecionador. Mas aos poucos foi conquistando a confiança e a simpatia de seu proprietário, ao ponto deste lhe conceder a liberdade novamente, torná-lo membro e conselheiro de sua guarda pessoal (Shikan) – ou seja, um verdadeiro samurai de alto escalão – além de lhe permitir segurar sua própria lança em batalha, uma das mais altas honrarias.

Com o tempo passou a guerrear por conta própria, com a indumentária característica e seus próprios combatentes; mas, por conta de sua aparência, o inimigo não o reconheceu enquanto nobre diante de uma derrota, por isso não lhe concedeu a honraria do Seppuku (ou harakiri, no ocidente), como aos nativos japoneses, e ordenou que partisse.
Assim, Yasuke permaneceu em um templo Nanpan (cristão) por um período, mas foi deportado para as Índias(!) e conseguiu voltar para a África tempos depois. O retorno do samurai africano influenciou a criação de alguns tipos de vestimentas africanas parecidas com o quimono japonês:




No Congo ele é tido como herói; em Moçambique inspirou a criação de uma linha de carros da Mitsubishi; ambos os países reivindicam a sua origem. No Japão existem contos e mangás inspirados em sua história, que também ganhou recorte em uma série de TV; Yasuke também inspirou a criação do samurai Genbei “Jaguar” Yagyu, um dos principais personagens do jogo Neo Contra do Playstation II.
A história de Yasuke representa o primeiro registro histórico de conexão ente África e Japão.

O Desfile

“Sou uma mistura de referências muito bagunçada”, diz Emicida. “Para a coleção, partimos da inspiração de um samurai negro, o Yasuke. Mas o rap está bem representado nas criações. A essência da marca ‘é nóis’ (…) Unimos a reflexão sobre o entendimento, geralmente tão rasa, das contribuições da cultura da África para o mundo”, detalhou sobre o tema.
“Queremos ressignificar conceitos através das roupas, sugerir um novo olhar. Quando essa mudança te toca, todo seu universo é contaminado e você passa observar as coisas de maneira diferente. Se permite perguntar ‘por que não’?”

E foi inspirada pelo caldeirão cultural que compôs a história do nosso herói, que a grife levantou com força a bandeira da diversidade, que é a alma do próprio rap. O que não se limitou à composição dos looks, mas se estendeu à escolha de seus modelos, alguns inclusive amigos da marca, como a cantora Ellen Oléria(deslumbrante num quimono vermelho e preto), Seu Jorge (que chegou causando em uma longa saia plissada) e a @biagremion, sensação (e inspiração!) no Instagram: praticamente todos eram negros, alguns eram gordos e outros, carecas, inclusive as meninas.


Um dos modelos tinha vitiligo e outros ostentavam enormes penteados black power; a postura ao desfilar também era firme e cheia de atitude, e vários causaram um verdadeiro frisson na platéia do SPFW, que captou a mensagem e os ovacionou com muitas palmas e gritos.

Segundo Emicida, “As passarelas do nosso país precisam ser um reflexo do que se vê em nossas calçadas. É muito importante que cores e etnias diferentes sejam vistas em um espaço que discute a beleza e a elegância (…) Entende-se a beleza de uma maneira pobre, a gente quis enriquecer isso, colocar pessoas que encontro nas calçadas todos os dias. A gente perde quando não reconhece essa beleza”.

Os 27 looks eram compostos por uma cartela de cores que se resumia às cores preta, branca e vermelha, o que deu classe à produção; a LAB investiu em estampas gráficas, grandes, porém minimalistas, e localizadas, com referências do Japão e da África, além de mensagens que remetem ao estilo de rua, sobrepondo-se umas às outras – mistura que super deu certo! – e criou uma identidade única e moderna.


As peças eram amplas e estruturadas: quimonos e casacos com ombreiras, alguns com enormes bolsos nas costas; faixas e cintos com amarrações tipo obi e obijime cinturavam alguns looks, em contraponto aos que deixavam a cintura solta, mostrando que há espaço para todos os gostos e corpos.

Shorts e calças não ficaram no meio termo: eram amplas pantalonas ou leggins justinhas, que mostraram criar uma composição perfeita com as maxi peças superiores; capuzes e golas exageradas arrematavam as produções, inclusive cobrindo parcial ou completamente alguns rostos.

“A influência oriental nos ajuda através das modelagens amplas, que atendem também a uma gama maior de corpos”, explica Evandro Fióti. O que também favoreceu as sobreposições e amarrações diferenciadas.

A coleção lembra um conceito de moda urbana que tem sido classificada lá fora como “streetwear couture”; mas a LAB produziu um resultado tão forte e autêntico, que chega a ser injusto tentar enquadrar a coleção num conceito pré-definido.

O desfile emocionou a imprensa e a platéia, que aplaudiu intensamente e de pé no final, enquanto Emicida trazia os modelos, acompanhado do irmão, e descia a letra, além de convidar todos para um show de encerramento; entre os presentes, amigos e artistas como Criolo, Rico Dalasam e Rael da Rima assistiam a tudo na primeira fila.
Confira o desfile e a trilha sonora exclusiva na íntegra:

“A gente quer mostrar um Brasil pouco ou nunca visto dentro dessa estrutura da semana de moda. O LAB ganha com a entrada no line-up e o SPFW ganha com a veracidade do nosso trabalho. Isso pode refletir positivamente na cabeça de várias pessoas, tomara que funcione como mais uma ajuda para mudar pensamentos e posturas de todo o ecossistema da indústria. É isso que espero colher”, completa.
As roupas e acessórios já estão disponíveis na loja virtual da LAB Fantasma, e a grade vai do P ao 5G, com valores a partir de R$69,90.
Ao Emicida, Evandro Fióti, João Pimenta, modelos e toda a produção da LAB, só temos uma coisa a dizer:
Bendito, louvado seja! \o/
Não é modinha, é nóis.
#Ubuntu #Gratidão #TerrorNenhum
Foto em destaque: Reprodução/ Olho Magico