Sutiã com bojo, adultização da infância e por que nada muda

Esses dias recebemos uma imagem de um catálogo de lingerie com uma menininha de sutiã com bojo e colar de pérolas. É claro que todos nós fizemos os mesmos questionamentos: por que raios uma menina de 4 ou 6 anos precisa desse tipo de coisas? Olha a adultização da infância, a erotização precoce, que horror!!! Sim, essa é a fala de praticamente todo mundo. Fiz uma pesquisa rápida na internet e encontrei, aos montes, textos, estudos e matérias contra esse tipo de produtos. Então, se todo mundo concorda que adultização não é legal, por que itens como sutiã, salto alto e maquiagens para crianças continuam no mercado e, pior, vendendo muito?

Texto de Débora Regina Magalhães Diniz

Jogue aqui a primeira pedra quem nunca comprou um batom pra filha ou um perfume de personagem para o filho. Porque eu acho muito difícil encontrar quem não tenha comprado (mesmo que sem pensar) ou ganhado qualquer uma dessas coisas (e quem já passou por isso sabe o quanto é difícil “arrancar” de uma criança). A questão é que acabamos sendo muito complacentes com nós mesmos e totalmente julgadores com o outro. “Jamais compraria um sutiã com bojo para minha filha!” – brada um pai que comprou um tablet para uma criança de 4 anos. Jogue também a primeira pedra quem nunca criticou alguma MÃE (porque na nossa sociedade machista a culpa é sempre da mãe, né?) que permitiu que a filha pequena posasse para o tal catálogo de lingerie ou para aquela marca de sapatos.

Sutiã com bojo, adultização da infância e por que nada muda
Sutiã com bojo, adultização da infância e por que nada muda

É normal as crianças quererem imitar os adultos, brincarem de “gente grande”, é normal desfilar com as roupas da mãe, do pai, brincar com as maquiagens, com a espuma de barbear, com o celular. O que não é normal é a indústria do consumo ver nisso um filão de mercado e comercializar para crianças produtos que não deveriam fazer parte de seu universo, investindo pesado em licenciados e publicidade. Não é normal uma agência de propaganda produzir imagens de crianças em poses totalmente inadequadas, incentivando a erotização. E, apesar de ler aos montes que a culpa é dos pais que compram, que não dão limites, que levam seus filhos para as agências de publicidade e o blábláblá todo, eu volto à pergunta: por que esses produtos e imagens estão no mercado? Quem é que investe pesado para despertar nas pessoas o desejo de comprar tais itens? Quem fabrica? Quem divulga? Quem controla isso?

Porque, antes de culparmos quem compra, precisamos culpar quem faz. E nada vai mudar enquanto não houver uma regulamentação adequada e, mais ainda, enquanto as leis não se cumprirem! Porque o ECA está aí, o CDC está aí, a resolução nº 163/14 do CONANDA está aí – quem vai fazer valer? No dia em que respeitarem a regulamentação de produtos e publicidade direcionados às crianças, quando existirem sutiãs apenas para adolescentes e adultos e uma criança sair desfilando com um por aí, poderemos dizer que os pais são completamente “sem noção”. Até lá, não dá pra culpar quem compra um sutiã que está na sessão infantil das lojas.

Para que raios um bebê de dois anos necessita de bojo, aro, cetim e renda?

Debora é mãe de três, cofundadora do Milc, cursou Letras e Semiótica. É doula e educadora perinatal há 10 anos. Atualmente vive no Vale do Paraíba e é uma das coordenadoras da Roda Bebedubem. É ativista e implicante com a sociedade atual desde sempre.

Fonte: Milc

+ sobre o tema

Como o machismo atrapalha a carreira das mulheres diretoras em Hollywood

O novo documentário de Amy Adrion, 'Half the Picture'...

Igualdade de gênero e 5 paródias que eliminam as barreiras entre o humor e a política

Feministas estão lutando pela igualdade factual entre homens e...

Antonieta de Barros

Nascida em 11 de julho de 1901, Antonieta de...

Mostra de filmes apresenta as mulheres vanguardistas do cinema

Cinema da USP traz obras de diretoras norte-americanas que,...

para lembrar

“Negras cabeças”: exposição de baiana exalta mulheres de etnias africanas

Se hoje é comum vermos personalidades como Maju Coutinho,...

O amor tem cor?

Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe...

Congresso chileno aprova Lei de Identidade de Gênero

Nova legislação permite mudança de nome e sexo para...

Alice Walker explora as tensões entre o racismo e a violência de gênero

“Mas onde estava o homem em mim que me...
spot_imgspot_img

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a Nath Finanças, foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo pela organização...
-+=