Sempre me surpreendo quando uma pessoa negra afirma que nunca sofreu preconceito ou discriminação racial no Brasil. Não foi diferente quando soube do relato de uma mulher preta —a primeira a ocupar um alto posto numa instituição hierarquizada e historicamente comandada por homens brancos— que disse nunca ter enfrentado barreiras de raça ou de gênero para chegar aonde está.
Gostaria de poder acreditar. Mas, por mais que me esforce para respeitar a perspectiva do outro, esse me parece um feito impossível.
Especialmente diante das fartas e escandalosas evidências de racismo estrutural, institucional e sistêmico cada vez mais corriqueiras no nosso cotidiano.
Salvo algum caso absolutamente excepcional de “vida isolada e protegida” (que desconheço), não há homem ou mulher preto ou pardo que chegue à vida adulta incólume aos efeitos nocivos e degradantes do racismo no Brasil.
Por isso é preciso reconhecer e prezar o simbolismo e a força embutidos na presença de todo e cada negro que ascende social e culturalmente. Tratam-se de referências, exemplos de pertencimento, provas vivas de que temos o direito e a capacidade de ser e estar onde quisermos. Sobretudo numa sociedade machista e que se organizou a partir de uma lógica baseada num conceito de hierarquia racial que deprecia o que está distante do eurocentrismo e nega oportunidades diariamente à maioria da população, que é preta e parda.
Na obra “Tornar-se Negro”, a psiquiatra e psicanalista Neusa Santos Souza aponta o quanto é emocionalmente doloroso ser negro em uma sociedade de hegemonia branca. A ponto de alguns introjetarem o “padrão branco” como único caminho de mobilidade, adotando estratégias para ascensão cujo preço é a negação e o apagamento da própria identidade.
Neste novembro de 2022, mês da consciência negra, convido todos à reflexão sobre o que é ser negro no Brasil contemporâneo. Reconhecer-se negro é libertador.