Conversa vai, conversa vem, dia desses uma conhecida relatou o desconforto que sentiu ao ser tratada como “a diferente” durante uma viagem ao exterior.
– Todos os olhares se voltavam para mim, me sentia vigiada, monitorada o tempo todo. Foi estranho e constrangedor, resumiu ela, uma mulher de ascendência italiana, nascida e criada “entre iguais”, no interior de SP.
– Comigo é assim quase todo o dia, com o agravante de que não preciso sair do meu país para ser tratada como “a diferente” ou me sentir vigiada, repliquei.
Estava servida a “torta de climão”.
Embora tenhamos avançado em conquistas sociais, é inegável que preconceito e discriminação fazem parte do cotidiano de quem é preto neste país, que, apesar da maioria autodeclarada negra (56%, pelo IBGE), institucionalizou o racismo.
Aos negros brasileiros ainda é negado o pertencimento à própria pátria. Pertencer tem a ver com se sentir acolhido, entendido, aceito, estar incluído, poder frequentar, ser considerado um sujeito de direitos. O que inclui o acesso a bens materiais e culturais, a educação, a saúde, a moradia e a proteção jurídica.
Mas a negritude no Brasil ainda é vista como fator de risco, ameaça, até mesmo demérito. Ou um “defeito de cor”, como instituído no decreto do período colonial que reservava certas profissões aos brancos e impedia que negros assumissem cargos ou funções públicas.
É por isso que médico preto causa espanto, advogado preto é desacatado por policial, intelectual preto é questionado, consumidor preto é seguido por segurança de shopping e de supermercado, trabalhador preto leva surra de um bando de doidos metidos a justiceiros, preto em carro de luxo não escapa de blitz…
Parafraseando Abdias do Nascimento, grande intelectual negro, “Hoje, mais do que nunca, compreendo que nasci exilado de pais que também nasceram no exílio, descendentes de gente africana trazida à força para as Américas”. Até quando?