Trabalhadoras negras da UBS/AE Hospital Santa Marcelina – Jd São Carlos, sofrem racismo por parte da chefia e são punidas com demissão!

“No dia 17/04/15 a energia elétrica havia sido interrompida na UBS/AE Santa Marcelina – Jd. São Carlos, onde eu trabalhava como Técnica de Enfermagem. Enquanto aguardávamos a volta da energia, eu e mais duas companheiras de trabalho – todas negras – estávamos conversando informalmente quando a nossa gerente “Fabiana” apareceu de repente. Eu, numa brincadeira comum, exclamei: “Ih, sujou!” Todos devem saber que essa expressão popular quer dizer “Ih, não deu certo/chegou a chefe!”. Mas ao invés de nos advertir ou até mesmo nos dar uma orientação enquanto chefe, a gerente Fabiana já veio logo dizendo: “Sujou por quê? Tá me chamando de suja? Eu não são suja.. eu não sou nega.. Quem suja é negro!”

Depoimento da vítima: Estela De Toledo Toledo via Facebook 

Bem, já havia presenciado essa mesma Fabiana rir-se de outras companheiras de trabalho com expressões como “E você com essa b* de nega?” Ou quando um dia, viu uma das funcionárias negra com roupa preta, disse: “Você parece que está pelada!” E ria. No meu íntimo, sabia que um dia seria a minha vez.

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Fiquei muito ofendida com a resposta dela e deixei isso bem ‘escurecido’. Obviamente, o episódio acabou gerando comentários em todos os setores, e posteriormente a gerente Fabiana me chamou pra conversar. Achei que ela me pediria desculpas, ou algo do tipo, mas o invés disso, disse-me que eu só fiquei ofendida com as palavras dela, porque na realidade eu não me aceitava enquanto “nega”. E foi nesse momento que soube que ela jamais assumiria ou admitiria o peso que suas palavras causaram em mim, e decidi que procuraria meus direitos, que aquela dor não poderia ser sanada com conversa, e sim com justiça! Apenas respondi à ela que eu não era “nega”, que tanto eu era uma negra muito bem resolvida e orgulhosa de ser quem eu sou, que havia reagido às ofensas e não me calei. Que se havia alguém com problemas ali, essa pessoa era ela mesma, não eu!

Fui até a Delegacia de Guaianazes, onde fui extremamente bem atendida pela Delegada Alexandra de G, Pasqualinotto e Escrivão Daniel F. Adorno, que me deram todas as orientações possíveis e registraram o Boletim de Ocorrência com presteza e acolhimento. (ver em anexo). Disseram-me que eu deveria procurar a empresa munida do Boletim e protocolá-lo junto à minha chefia.

Chegando lá, fui atendida pela Analista de Valorização de Pessoas, Sra. “Denise”, que protocolou uma cópia do B.O., e assinou que tomou ciência do fato. Em seguida, a mesma repassou a informação às suas respectivas chefes, Sras. Dalci e Fernanda Campos, que convocaram à mim e à gerente Fabiana para uma conversa. Nesta reunião, cada uma contou a sua versão, porém, após nos ouvir, a Apoiadora Dalci deixou claro que tendo eu falado a frase “Sujou!” eu ofendi a gerente Fabiana chamando-a de suja, e por isso ela teve o direito de resposta. Eu expliquei que era uma gíria e a expressão tinha a ver com outra coisa, não se referia à etnia dela ou ao cargo que ocupava, e sim, que nós estávamos erradas em ficar conversando ali e que a chefe ia dar bronca. Que sujou pra gente. A conversa foi sempre no tom de me acusar, me culpar por Fabiana ter me ofendido, e não ao contrário. A Sra. Denise me falou que a UBS Santa Marcelina tinha um grupo de profissionais como; Psicólogos e Terapeutas Ocupacional (TO), que poderiam me ajudar a resolver a questão comigo mesma. Ou seja, novamente queriam me passar a ideia de que eu tinha problemas por ser preta e que deveria me tratar. Eu era a vítima, mas elas queriam me fazer sentir culpada por ter sido agredida, ofendida e humilhada.

Após perceber que eu não teria apoio por parte do corpo diretivo do UBS Santa Marcelina, me dirigi à Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no setor de Combate à Discriminação Racial e Preconceito. Fui muito bem acolhida, ouvida, orientada e minha queixa registrada. Me informaram também, que marcariam uma palestra no UBS/AE Santa Marcelina – Jd. São Carlos. cujo tema seria sobre Racismo e Preconceito no Ambiente de Trabalho. Conforme o prometido, a palestra foi realizada em 15/01/2016, com a presença de uma Defensora Pública, uma Assistente Social e uma Psicóloga. As três palestrantes falaram sobre Injúria Racial, Racismo e Preconceitos, sobre as implicações, segundo a lei, para os ofensores e dos danos psicológicos que essas ações racistas pesam sobre as vítimas. Enfim, entre tantas coisas, a palestra foi ótima e altamente enriquecedora, mas isso parece ter causado um efeito ao contrário nas pessoas que deveriam entendê-las: mais ódio! Após alguns dias da palestra, eu e a companheira de trabalho que aceitou ser a minha testemunha, fomos demitidas.

Em 22/02/16, o Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania havia marcado uma mediação entre eu e a gerente Fabiana (a ofensora), porém a mesma não compareceu.

Venho a público para expor meu caso pelos seguintes motivos: Primeiro porque quero orientar a todos os negros e negras no Brasil, que não aceitem voltar pra casa carregando o peso de um navio negreiro em vossos corações só para manter um emprego ou com vergonha de procurar por justiça. Eu sei que eu e minhas companheiras negras perdemos nossos empregos, pois naquela roda de conversa no ambiente de trabalho, éramos eu e mais duas mulheres negras – todas nós fomos demitidas com desculpas que sabemos não ter sido uma coincidência – e naquele momento, eu só consegui pensar nos meus filhos.

Fui em todos os pontos de justiça que eu pude recorrer, e irei até o fim em busca de retratação pela dor que senti naquele dia. Eu quero, preciso, em nome de meus ancestrais que tanto sofreram, das minhas crianças e de todas as mulheres e homens negros que sofreram racismo nesse país, e os que ainda vão sofrer, exigir respeito por eu ser quem sou, por quem somos. Se não vão nos respeitar por bem, vamos então usar a lei!

Desejo com isso, ensinar aos meus filhos a enfrentar o racismo quando crescerem, como eu estou enfrentando, custe o que custar. Que eles saibam que não curvei a cabeça e voltei humilhada pra casa sem poder olhá-los nos olhos. Que mãe negra seria eu se não pudesse me defender, como eu os defenderia em caso de injustiça?

Preciso que meus filhos cresçam sabendo que sou uma mulher guerreira e que não abaixou a cabeça diante da injustiça contra mim. Também não vou carregar essa luta sozinha, por isso precisei dividi-la com todos que vão ler essa minha história e juntos mostrarmos a esse tipo de gente, que estamos unidos.

Espero que a minha ofensora, que não perdeu o emprego e nem o cargo – ofício que lida diretamente com uma comunidade oprimida e de maioria preta – e está livre pra continuar cometendo racismo, bem como seus apoiadores, também leiam esse meu relato, quero que saibam que eu não vou desistir!! Não me destruirão me tornando uma desempregada e com dois filhos ( de 8 e 2 anos) pra criar. EU FUI A VÍTIMA, e vou ensinar à todos vocês que a justiça se faz punindo o/a criminoso/a e não ao contrário como fizeram comigo.

Se existe lei nesse país, eu vou persegui-la até que ela seja feita, nem que demore mais 127 anos! ”

Estela De Toledo Toledo.

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