Existem dois equívocos fatais em discursos que alguns amigos do Movimento Negro tem levantado aqui nesse rede social: não vai ter diferença pra nós, independente de quem chegar no governo e sobrevivemos a tudo, podemos sobreviver a isso.
por Vinicius Souza Fernandes da Silva para o Portal Geledés
Ultimamente tenho refletido sobre o não voto dentro de certo espaços de militância dessa nossa comunidade preta e tenho pensado se isso não contribui para a ascensão de parlamentares fascista. Não sei se temos pessoas organizadas sobre a ideia de não voto o bastante pra dar um número expressivo. Eu só sei que na medida em que minorias políticas se desorganizaram, os fascistas avançaram nos cargos políticos, essa eleição foi a prova disso. Claro, eu não acredito que meios institucionais significam, de alguma forma, mudança revolucionária. Porém, na hora em que as bancadas fascistas forem votar a redução da maioridade penal, quem vai ser a oposição pra travar isso além de nós mesmos ? É só um dos exemplos. Busco precedentes históricos de uso estratégico de votos, coisa feita até pelo Black Panther Party.
Bom, penso que o fascista chega ao poder em duas fases: parlamentares, governadores e apoio das massas e chegando, de fato, na presidência. O discurso já ganhou força popular extraordinária, assassinato; agressões; ameaças; censura e organização. Diferente da maioria dos outros grupos militantes, eles são radicais e bem organizados. As violências e perseguições estão acontecendo, o país está explodindo. Somando tudo isso a ascensão fascista dessa eleição, uma bancada enorme de deputados e alguns governadores. Quem é o deputado federal mais votado da história do país ? Quem é a deputada estadual mais votada da história do país ? Quem é o senador que São Paulo elegeu com 9 milhões de votos ? A primeira fase foi concluída: ter apoio de massa com um discurso cego e autoritário baseando em ataques a corrupção, anti petismo e crise da segurança. Com todo esse apoio garantido, eleger políticos alinhados. O que falta agora é chegar ao executivo, pra além do radicalismo popular se consolidar, os ideias autoritários e anti democráticos se tornarem institucionalizados: perseguições políticas, censura, prisão, tortura e um respaldo popular grande para tudo isso.
As diferenças devem ser analisadas, pois é mais que obvio que existem diferenças práticas entre um governo do Haddad e um governo do fascista. Apesar de uma pequena parte usar, com razão, o voto enquanto uma manobra estratégica, uma parte nega o valor dessa ação. Hoje podemos votar em um partido que governou cheio de falhas, foi também conivente com genocídio, mas amanhã estaremos cara a cara com ele pra enfrenta-lo, teremos a liberdade que ainda temos para enfrenta-lo. Ser estratégico para garantir a luta no futuro é extremamente necessário. Isso sem nem entrar no mérito das políticas públicas que seriam provavelmente cortadas em um eventual governo fascista ou qualquer outro de extrema direita. Tem gente que só se alimenta e que tem como meio para viver somente isso. No momento não temos como suprir essa ausência e sabemos que a revolução não vai sair pra hoje. Temos que ser estratégicos e, constantemente, construtivos. Há muito mais em jogo do que denuncia um primeiro olhar.
Ações estratégicas são uma necessidade e, no que diz respeito ao voto, temos bastante precedente histórico de como pode ser, até certo ponto, beneficamente estratégico. Cada passo deve ser pensado, calculado e cuidadoso. Dizer que sobrevivemos a tudo e se abster é o mesmo que se jogar na desgraça, usar sangue e morte pra sustentar um discurso sem sentido ou ação prática alguma. O direcionamento da luta do nosso povo deve ser pautado por três pilares: estratégia, mobilização e, mais importante que tudo, organização. Pessoas com potencial revolucionário não podem reproduzir discursos que vem, na maioria dos casos, de grupos demagógicos e idealistas que se auto proclamam uma vanguarda. A comunidade preta precisa de um novo parecer revolucionário, um novo alinhamento. Novas ideias para novas práticas e resultados.
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