Atualmente, não é raro encontrar mulheres oriundas da diáspora africana que tiveram sucesso em seus percursos socioprofissionais fora de seus países de origem. Muitas se destacaram também na política, ou seja, num contexto bem mais difícil. Contudo, não faz muito tempo e esse sucesso parecia impossível. Para conquistar este espaço, estas mulheres percorreram não só um longo caminho geográfico, mas também cultural e histórico cheio de armadilhas.
Para melhor apreciar o caminho percorrido, é necessário remontar ao século XIX e lembrar-se da imagem que os europeus tinham da mulher negra. Este artigo tratará somente dos casos de mulheres da diáspora africana que foram eleitas ou nomeadas a postos de responsabilidade em outros países que não a antiga potência colonial que dominava seus países de origem.
Uma história de racismo
A história da “Vênus hotentote” é sintomática das relações do Ocidente com a mulher africana nos séculos passados. Sébastien Hervieu [en, fr] conta a história da sul-africana Saartjie Baartman, mais conhecida como a “Vênus hotentote”. Num artigo publicado em outubro de 2010 em seu blog afriquedusud.blog.lemonde.fr, ele faz uma resenha [fr] do filme de Abdellatif Kechichesobre esta trágica história:
No início do século XIX, esta escrava foi levada à Europa e tornou-se objeto de atração nas feiras por causa de seus proeminentes atributos físicos. Alguns “cientistas” utilizaram-na para teorizar a inferioridade da “raça negra”. Quando ela morreu, com somente 25 anos, seus órgãos genitais e seu cérebro foram colocados em frascos com formol, e seu esqueleto e um molde de seu corpo foram expostos no Museu do Homem em Paris. Apenas em 2002 que a França aceitou devolver os despojos de Saartjie Baartman à África do Sul, concluindo assim um longo imbróglio [fr] jurídico e diplomático.
Saartjie morreu em Paris a 29 de dezembro de 1815, os khoikhoi então apelaram a Nelson Mandela para pedir a restituição dos seus restos a fim de dar-lhe uma sepultura. O pedido foi recebido com a negativa das autoridades e do mundo científico francês em nome do patrimônio inalienável do Estado e da ciência, mas ao fim a França restituíu os despojos de Saartjie à África do Sul, onde, de acordo com os ritos de seu povo, foram purificados e postos numa cama de ervas secas ao qual se tocou fogo.
Noruega
Dois séculos mais tarde, o lugar da mulher negra na Europa mudou drasticamente. Entre outros, muitas dentre elas foram eleitas a postos de responsabilidade política.
Manuela Ramin-Osmundsen é uma das mais interessantes entre elas, pois ilustra as contradições que existem ainda em certos países. Ela teve de demitir-se da função de ministra na Noruega quando tinha só quatro meses na posição. O blog grioo.com descreve-nos seu percurso [fr]:
Originária da Ilha da Martinica, Manuela Ramin-Osmundsen, de 44 anos, xhegou ao posto de ministra da Infância e da Igualdade no governo de centro-esquerda norueguês a 18 de outubro de 2007 […]. Ela é casada com Terje Osmundsen, um político membro do partido conservador da Noruega. Após seu casamento, ela adquiriu a nacionalidade norueguesa e renunciou à francesa. O país não autoriza a dupla nacionalidade.
Numa entrevista dada a Patrick Karam do site fxgpariscaraibe.com, ela explica algumas das razões que jogaram em seu favor para sua nomeação e as forças que a levaram a se demitir quatro meses depois de sua posse:
“Na Noruega se é obrigado a representar os dois sexos nos conselhos de administração, no mínimo com 40% de mulheres. Realizamos também uma política para estimular os homens a tomar mais responsabilidades em casa e assim permitir que as mulheres tenham uma carreira profissional. Trabalhei também com a infância em perigo, as violências, os maus-tratos… Trabalhei durante quatro meses sem ser criticada: uma experiência de sucesso. As críticas vieram com a nomeação de uma mediadora. Em retrospectiva, todos podiam ver que foi algo que saiu do nada. Eu cedi ante o poder da imprensa.”
Suécia
Nyamko Sabuni, originária da República Democrática do Congo, é uma ex-ministra da Suécia. Ela nasceu em 1969 no Burúndi, seu pai teve de fugir da perseguição. Ela foi eleita deputada no Riksdag em 2002 e aos 37 anos tornou-se ministra de 2006 a 2010 na Suécia.
Um artigo publicado por congopage.com conta [fr] seu percurso:
Em 1981, com a idade de 12 anos, ela chegou à Suécia com sua mãe e três de seus cinco irmãos e irmãs. Lá, encontrou seu pai, um político da oposição que fora encarcerado várias vezes no Congo (atualmente República Democrática do Congo), que havia vindo ao país nórdico com a ajuda da Anistia Internacional.
Países Baixos
Nascida na Somália em 1969 e circuncidada aos 5 anos, Ayaan Hirsi Ali estudou num colégio muçulmano para meninas. Submetida aos seus pais, seu clã e sua religião até os 23 anos, ela aproveitou uma viagem para visitar a família na Alemanha para fugir e escapar a um casamento forçado. Refugiada nos Países Baixos, ela adotou os valores liberais do Ocidente a ponto de se tornar uma jovem deputada da Haia e dizer-se ateia. Por ter trabalhado nos serviços sociais do reino, ela conhecia por dentro os horrores que se toleram contra as mulheres em nome do multiculturalismo.
Feroz oponente de vários aspectos do Islão e das tradições africanas contrárias ao respeito dos direitos humanos, ela fundou uma ONG cujos objetivos [en] são definidos da seguinte forma no blog ayaanhirsiali.org:
Em resposta aos contínuos abusos contra os direitos das mulheres, Ayaan Hirsi Ali e seus apoiadores criaram a Fundação AHA em 2007 para ajudar a proteger e defender os direitos das mulheres no Ocidente da opressão justificada pela religião e pela cultura.
Itália
A primeira pessoa negra a ser eleita para o parlamento italiano foi Mercedes Lourdes Frias. O blog Black Women in Europe apresenta-a [en] da seguinte forma:
Mercedes Lourdes Frias nasceu na República Dominicana. Foi a primeira negra eleita para o parlamento italiano em 2006, onde serviu até abril de 2008. Foi membro da Comissão de Assuntos Constitucionais e da Comissão Parlamentar para a implementação dos controles sobre os Acordos de Schengen e o Controle e Supervisão da Imigração. Ela trabalha em atividades antirracistas e de recepção de imigrantes. De 1994 a 1997, foi membro do Conselho da Federação das Igrejas Protestantes na Itália. Na cidade de Empoli, Mercedes Frias serviu como conselheira para o meio ambiente, direitos da cidadania e igualdade de oportunidades.
O caso mais surpreendente dessas mulheres negras que foram eleitas por sufrágio universal ou nomeadas a postos de alta responsabilidade em países europeus é o de Sandra Maria (Sandy) Cane, eleita em 2009 no programa da Liga Norte, o partido mais racista e xenófobo da Itália. Um dos objetivos deste partido é a secessão de uma parte do Norte da Península Italiana (cujos limites ainda não estão muito definidos) já que seus dirigentes nãose dão com os italianos do sul.
O blog stranieriinitalia.it (estrangeiros na Itália) dá [it] um breve relato de sua carreira:
A primeira prefeita de cor da Itália usa a camisa verde [a cor dos seguidores daEu sempre fui partidária da Liga, sem jamais ser muito militante. Quando era pequena, morria de rir ao ver os posters deles, curiosos mas com grande impacto. Depois, há mais ou menos quinze anos, aproximei-me um pouco mais. […] Vejo como “muito americano”, mesmo a Liga, por causa de sua insistência pelo respeito rigoroso à lei, até mesmo para os imigrantes ilegais. Ainda assim, ela ressalta que em Viggiù não há problemas de integração e muito menos de segurança. Entre suas prioridades, ela busca relançar o turismo na cidade através de uma atenção especial aos eventos e à cultura. Norte]. Sandra Maria (Sandy) Cane ganhou com somente 38 votos o lenço tricolor da prefeitura de Viggiù, 5 mil habitantes em Valceresio, entre a província de Varese e o cantão de Tessino.
Um passado com longa história de migração. A família da mãe da nova prefeita era de pedreiros originários de Viggiù e que emigraram para a França, onde durante a Segunda Guerra Mundial chegou o pai, um soldado afro-americano dos Estados Unidos. A nova prefeita nasceu em Springfield, Massachusetts, em 1961, mas dez anos depois da separação de seus pais seguiu sua mãe em sua vila natal.
rir ao ver os posters deles, curiosos mas com grande impacto. Depois, há mais ou menos quinze anos, aproximei-me um pouco mais. […] Vejo como “muito americano”, mesmo a Liga, por causa de sua insistência pelo respeito rigoroso à lei, até mesmo para os imigrantes ilegais. Ainda assim, ela ressalta que em Viggiù não há problemas de integração e muito menos de segurança. Entre suas prioridades, ela busca relançar o turismo na cidade através de uma atenção especial aos eventos e à cultura.
Apesar desses progressos notáveis na inclusão de mulheres africanas na política europeia, elas representam casos isolados, pois além das dificuldades que encontram por causa do racismo ou de natureza cultural e religiosa, incluindo suas próprias famílias e suas sociedades de origem, tiveram também de enfrentar os desafios que enfrentam todas as mulheres do mundo [fr]: violência conjugal, reesponsabilidade da procriação e da educação, marginalização e falta de presentação política.
Escrito por Abdoulaye Bah · Traduzido por Richard de Araújo
Fonte: Global Voice