Ex-consulesa da França revela planos de fazer TV no Brasil

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Por Thiago Baltazar Do Revista Marie Claire

O futuro de Alexandra Loras em terras tropicais envolve seu retorno à TV. A francesa, formada pela conceituada L’École Livre de Sciences Politiques, irá estrelar uma atração na emissora que lançou Kim Kardashian à fama

Setembro foi o último mês de Alexandra Loras no cargo de consulesa da França em São Paulo. Na cidade desde 2012, a filha de mãe francesa e pai gambiano ganhou destaque na imprensa durante o exercício de seu cargo, que teve o ativismo pela causa negra e feminismo como seu foco. Agora, seu próximo passo é discutir direitos humanos na TV em um reality show. “É um projeto de conscientização para educar, de maneira lúdica, as pessoas sobre diversidade”, revelou à Marie Claire.

O programa deve estrear no final de 2017 no canal por assinatura E! Entertainment, mesma emissora que lançou Kim Kardashian, e suas irmãs, à fama em “Keeping Up With The Kardashians”. “É uma ferramenta poderosa para trazer a mudança que queremos ver no mundo”, disse. Na atração, Alexandra mostrará seu cotidiano em ações sociais nos bairros periféricos da capital paulista, segundo a própria.

Nesta entrevista exclusiva, Alexandra explicou a razão pela qual decidiu, ao lado do marido, o ex-cônsul Damien Loras, permanecer no Brasil, falou sobre sua luta contra o racismo e como descobriu o feminismo em solo tropical.

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Marie Claire – Você e o cônsul recusaram uma proposta de liderar a embaixada da França em Quebec, no Canadá, e abriram mão da chefia da missão francesa na ONU, em Nova York, após finalizarem o trabalho consular no Brasil. Por que?

Alexandra Loras – Escolhemos o Brasil para viver porque acreditamos que é aqui onde poderemos desenvolver nossa vida. A dinâmica, aqui, é mais flexível. Posso subir em um palco e verbalizar sobre assuntos delicados, como diversidade, fascismo e racismo e ser recebida de uma forma respeitosa. Descobri meu espaço de fala aqui. Nunca tive isso em Paris, mesmo sendo apresentadora de TV. Sempre quis voltar a morar nos EUA ou ir para o Canadá, onde tudo funciona, mas aqui tenho a oportunidade de mudar o mundo. Se for para lá não vou ter este espaço.

MC – Vocês pensam em voltar para a França?
AL – Me encaixo muito mais na sintonia daqui do em um país que se considera superior e civilizado. Me incomoda a “supremacia” escondida atrás do lema igualdade, liberdade e fraternidade, da qual somente a elite pode desfrutar. Fomos o opressor do mundo e hoje pedimos paz. A França é o quarto país que mais produz armas e está chorando quando esta violência se volta contra ela. Não me vejo mais evoluindo na França. Agradeço por ter me dado um senso crítico, mas como cidadã negra não me vejo evoluir no meu país neste momento.

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MC – Quais são seus planos profissionais no Brasil agora que decidiu permanecer aqui?

AL –  Estou com um projeto de TV sobre conscientização geral. Vamos educar de maneira lúdica as pessoas a respeito da diversidade pelo canal E! Entertainment. Será um reality show. As câmeras vão me acompanhar durante ações sociais com meninas nas favelas do Capão Redondo. Vamos fazer uma narrativa pop para quebrar estereótipos sobre favela. Também estou trabalhando como professora no curso de Pós Graduação em Educação e Relações Étnico-Raciais, da Faculdade Campos Salles, e estou escrevendo uma biografia pela editora Planeta para 2017.

MC – Por que escolheu a TV como forma de continuar trabalhando com causas sociais?
AL –
Os programas de TV são uma forma de educarmos o povo, a televisão é uma das ferramentas mais poderosas para trazer a mudança que queremos ver no mundo.

MC – Você foi convidada para ser a primeira negra a posar na capa da Playboy do Brasil, mas recusou.  O que a fez declinar a proposta?

AL – Eu declinei porque estou lutando pela representatividade da mulher em todos os espaços. Estar em uma capa é bom, mas estou lutando contra o clichê da mulher negra sendo sexualizada sempre. Quando decidi desfilar pela Vai-Vai no Carnaval, usei um vestido comprido, até os pés. Não queria parecer a morena gostosa.

MC – Como foi que começou a defender a causa feminista?
AL – Na França temos o exemplo de Simone Beauvoir, mas descobri o feminismo no Brasil, com o jeito dócil e coletivista das brasileiras. Elas me inspiraram a repensar o feminismo contemporâneo, enxergando o quanto podemos lutar com firmeza.  Precisamos deixar o homem entrar no debate, assim como o branco deve participar da discussão sobre a causa negra. É o homem que está com os privilégios nas mãos, por isso ele precisa escutar, ter empatia e compaixão sobre esses assuntos.

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MC – No Brasil você foi vítima de racismo ao ser questionada o motivo de não estar usando branco, como as outras babás, em um clube paulistano. Ainda assim, há pessoas que acreditam em democracia racial. O que você diria a elas?

AL – Quando pessoas brancas falam sobre democracia racial para mim, eu digo: “Você deixaria de ser branca para ser negra? Gostaria de ganhar 40% do salário de um homem branco? Aceitaria não poder viver em certos bairros de São Paulo ou não poder comprar em certos espaços por ser inferiorizada? O negro não vai almoçar no shopping da elite porque não será bem atendido, haverá um segurança de olho nele. O branco não percebe isso, não vive isso. O branco não é constantemente barrado no aeroporto de Guarulhos, mesmo com passaporte diplomático, como eu. Na minha própria casa, onde recebia 6 mil pessoas por ano, várias vezes pensavam que eu era funcionária. Dizem que o cabelo crespo é ruim, duro. Isso só se escuta no Brasil, assim como: “você não é tão negra assim”. O Racista nunca se acha racista, precisamos educar as pessoas sobre isso. Um negro morre a cada 23 minutos e ninguém fala sobre isso.

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