Maria Gal relembra racismo: “Diretor achou que meu tom de pele não era comercial”

Atriz, que participou da série “Sob Pressão” e contracenou com Juliana Paes no filme “Dona Flor e seus Dois Maridos”, usou o preconceito sofrido para criar uma produtora audiovisual que valoriza o trabalho de artistas negros

por THIAGO BALTAZAR no Marie Claire

Maria Gal (Foto- Pino Gomes : Divulgação)

Maria Gal sonhava com uma carreira de sucesso como atriz quando decidiu sair de Salvador rumo a São Paulo para estudar na Escola de Artes Dramáticas (atualmente incorporada à USP). Sem medo do trabalho duro, ela aceitou empregos como garçonete e professora para bancar os estudos, mas seu maior obstáculo era, na verdade, o racismo. “Cheguei a perder um papel em uma produção porque o diretor achou que o tom da minha pele não era comercial”, relatou a atriz à Marie Claire.

Se o preconceito parecia ser um obstáculo, ela o usou como motivação para realizar não somente seu sonho, mas o de outras pessoas também, ao criar uma produtora que valoriza o trabalho de artistas afrodescendentes. “O setor audiovisual tem pouco protagonismo negro na novela, no cinema e na publicidade. Precisamos de mais representatividade em cargos de poder, assim como em toda a sociedade, porque o racismo é estrutural e cultural”.

Nesta entrevista, Maria fala também sobre o desenvolvimento da série “Os Souza”, sobre uma família negra que ascende à elite, e de um filme biográfico da escritora Carolina Maria de Jesus, autora do best seller “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”.

Marie Claire – Você foi vítima de racismo no início da carreira. Como foi?
MG –
Sim, perdi um papel em uma produção. Fui preterida por um diretor que achou que o tom da minha pele não era comercial, em contradição ao país que tem mais de 54% de população preta.

MC – Como se sentiu quando um diretor disse que sua pele não era comercial?
MG –
Eu me senti muito mal e extremamente discriminada por ele. Porém, o racismo me serviu de indignação e me motivou para produzir mais.

MC – Isso fez com que despertasse em você o desejo de fazer algo para mudar esse cenário de racismo no meio audiovisual?
MG –
No Brasil, cerca de 54% da população é negra e a maioria não se identifica com o protagonismo na dramaturgia e na publicidade brasileira. Acho muito importante termos mais protagonistas negros atuando em boa parte  das produções brasileiras.

MC – Foi assim que decidiu empreender nesse ramo?
MG –
A Maria Produtora surgiu para fomentar mais produções audiovisuais com protagonismo negro feminino. Vamos produzir conteúdos com histórias negras e novos paradigmas, mas não é uma produtora excludente.

MC – A série ‘Os Souza’ foi inspirada em pessoas que você conhece?
MG –
  Ela foi inspirada em algumas pessoas conhecidas e também nas séries americanas dos anos 70. O enredo narra a vida de uma família negra que enriqueceu e mudou totalmente o seu estilo e costumes. Acredito que reflete uma parte da sociedade negra que conseguiu a ascensão social.

MC – Muita gente ainda acredita que o racismo não existe no Brasil. Por que você acha isso?
MG –
O racismo no Brasil existe e está representado de diversas formas, principalmente na desigualdade social. Contra as estatísticas e porcentagens não há argumentos.

MC – O que você diria para essas pessoas?
MG –
Somos todos brasileiros e temos os mesmos direitos sem qualquer tipo de discriminação. A dívida histórica deste país com os negros deve ser paga pelo amor e generosidade ou pela dor. A mudança para que tenhamos um país mais justo para todos é de cunho cultural e estrutural. E esse deve ser um exercício de autocrítica que todos devemos fazer.

MC – Em paralelo, você também decidiu produzir um filme sobre a vida da escritora Carolina Maria de Jesus, conhecida por seu livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960.
MG – O filme Carolina é uma obra de ficção baseada em fatos reais, que conta a vida de uma mulher negra e semianalfabeta que ganhou o mundo por meio de um best-seller  traduzido para 14 idiomas, em mais de 40 países. A direção do longa será de Rogério Gomes, o Papinha. O meu desejo de produzir o filme surgiu depois que conheci a vida dessa mulher incrível. Sem dúvida, é uma das histórias mais impressionantes da literatura brasileira e que, infelizmente, poucos conhecem.

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