Na Feira do Livro, Sueli Carneiro escancara racismo que ainda divide o Brasil

Filósofa, ao lado da jornalista Bianca Santana, criticou falta de representatividade na política nacional

“Eu vivo num país racialmente apartado”, afirma a filósofa Sueli Carneiro na mesa que fechou, trepidante, o primeiro dia completo da Feira do Livro na praça Charles Miller.

“O Brasil tem dois territórios com padrões de desenvolvimento humano diferente. O IDH da população branca é equivalente à da Bélgica, o da população preta é abaixo do IDH de muitos países africanos.”

A discussão surgiu por uma referência a sua frase mais famosa, “entre esquerda e direita, continuo preta”, que inspirou o título de sua biografia escrita pela jornalista Bianca Santana, com quem dividia a mesa desta noite mediada pela pesquisadora Juliana Borges.

Santana lembrou que quase nenhum partido brasileiro cumpriu as exigências mínimas estabelecidas em lei para candidaturas de mulheres e negros. Além disso, o Congresso já negociou uma anistia ampla e geral ao sistema partidário negociada.

Lembrando aquela sua máxima, Carneiro ressaltou uma crítica que costuma fazer à parcela da esquerda que vê a questão racial, descartada como “identitária”, como algo submetido ao que seria a grande batalha a empreender, a superação da divisão em classes.

“Se a questão de classe fosse explicativa da realidade social, teríamos uma hierarquia social muito mais democrática”, afirmou a pesquisadora, doutora em educação e autora do recente “Dispositivo de Racialidade”.

“Mas há uma concentração total de renda na branquitude e uma quantidade abissal de população preta na base da pirâmide social. Não só persistem os mecanismos de exclusão da nossa gente, mas práticas de extermínio que contam com a conivência de parte da sociedade.”

Falando em extermínio, Santana lembrou o assassinato da vereadora Marielle Franco como um sinal de que o avanço do feminismo negro foi importante, mas ainda tem desafios imensos pela frente.

“Foi uma mensagem direta e violenta para mulheres negras da nossa geração, de que mesmo que superássemos o teto que a sociedade coloca para nós, mesmo com tudo o que a geração de Sueli alargou para que entrássemos, ainda poderíamos ser assassinadas com muitos tiros e, cinco anos depois, ainda não saberiamos o mandante.”

Carneiro arrematou: “Precisa desenhar mais o quê pra determinar que raça determina classe nesse país? E você tem dúvida de por que os partidos querem anistia?”

Foi uma mesa com uma boa dose de emoção, vale dizer. Quando Carneiro entrou no palco, o público se levantou para aplaudir de pé, algo que não tinha acontecido em nenhuma outra mesa ao longo do dia. A emoção das duas palestrantes demorou um tantinho para se assentar.

A Feira do Livro continua no Pacaembu, em São Paulo, com mesas abertas e gratuitas até domingo.

A FEIRA DO LIVRO

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