Famoso clube para negros dos anos 60, Aristocrata reabre em São Paulo e pode virar filme

O rapper Emicida planeja documentário sobre o local, símbolo da luta contra a discriminação racial

POR SILVIA AMORIM, do O Globo

O mais famoso clube para negros de São Paulo está de volta. O Aristocrata Clube abriu as portas de sua nova sede este mês na capital paulista. A histórica piscina, símbolo da luta contra a discriminação racial nos anos 1960, e o lendário piano tocado por artistas negros como Milton Nascimento e Ray Charles não resistiram ao tempo. A nova roupagem, um sobrado num bairro de classe média, está longe de retratar os tempos gloriosos do clube. Mas, como diz um dos poucos sócios remanescentes, uma nova “semente” está sendo lançada.

A história do Aristocrata começa em 1961 como resposta à discriminação racial sofrida pela elite negra por parte da high society paulistana. Funcionários públicos, advogados, profissionais liberais eram a nata paulistana de negros naquela época e, como tal, eles queriam frequentar os clubes mais chiques da cidade _ Sírio-Libanês, Monte Líbano, Paulistano e Pinheiros, até hoje reduto de endinheirados.

– Eram muitas as desculpas para evitar a convivência entre brancos e negros. Mas o que fez a gente decidir fundar o nosso clube foi o que um amigo ouviu de um diretor do clube Pinheiros. Ele falou que o clube não era bom para negros porque a água da piscina tinha um produto que fazia mal a nossa pele. Ali percebemos que, se quiséssemos ter uma piscina para a diversão dos nossos filhos e familiares, teríamos que construir nós mesmos – conta Luiz Carlos Assunção, o Seu Caio, de 79 anos, atual presidente do Aristocrata Clube.

O ideal levou cerca de 50 pessoas a se cotizarem e comprarem, em diversas parcelas, um terreno nos arredores da represa Guarapiranga, na zona sul da cidade. A piscina foi a primeira construção no imenso descampado. Na inauguração, não havia nada ao redor, nem vestiários nem sede administrativa. Mas ela representou a redenção da elite negra paulistana.

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– Muitos de nós nunca tinha entrado numa piscina. As mulheres nem tinham traje de banho, mas aquela piscina foi o grito de liberdade – diz a secretária-geral do clube, Aurea Maria Neves.

Dos finais de semana à beira da piscina para os glamourosos bailes de debutante foi uma questão de tempo.

– Os negros estavam se achando – resume o vice-presidente da entidade, Gilberto Oliveira.

O baile de debutantes era a noite mais importante do ano do Aristocrata. Nessa época, o clube vivia seu melhor momento, tinha cerca de 3 mil associados e dinheiro não era problema. Jantares eram organizados para negros no tradicional restaurante Fasano, na Avenida Paulista. Apesar disso, as meninas negras continuavam sendo proibidas de participar dos bailes de debutantes dos brancos nos clubes da alta sociedade. O jeito foi o Aristocrata fazer o próprio baile.

– Esses bailes eram muito tradicionais na época. O antigo jornalista Tavares de Miranda reportava essas festas que os clubes dos brancos davam todos os anos para as suas debutantes. Isso acontecia no Sírio-Libanês, Paulistano, Pinheiros, Hebraica. Quando as filhas atingiam 15 anos, eles faziam esses bailes. Mas nossas filhas não podiam participar. Então começamos a fazer nossos bailes de debutantes. Nós alugávamos os salões de festa desses clubes e fazíamos a nossa noite. Aí eles não podiam impedir porque estávamos pagando – conta Oliveira.

Era um desfile das melhores roupas, joias e plumas nesses bailes, lembra com saudade Eunice Aparecida Hilário, de 83 anos.

– Era muito gostoso. A gente dançava a noite inteira. Tudo era muito lindo e chique.

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A fama do Aristocrata chegou ao exterior. Celebridades negras como Ray Charles, Michael Jackson, quando integrante do The Jackson Five, e o lutador Cassius Clay, mais conhecido como Muhammad Ali, visitaram a sede social do clube, no centro de São Paulo, onde havia um piano e showzinhos privados aconteciam. Os cantores brasileiros Milton Nascimento, Jair Rodrigues e Jorge Ben também eram figuras frequentes no Aristocrata.

Os tempos de glória duraram 25 anos. A partir de 1986, o clube começou a perder associados e, com eles, o dinheiro foi minguando. Sem muitas atividades, o clube de campo foi invadido por sem-teto e começou a ficar difícil manter em dia o pagamento do condomínio da sede social. Resultado: o Aristocrata foi despejado de seu próprio imóvel.

– Como todos os clubes no Brasil, perdemos associados. As pessoas começaram a morar em núcleos que têm piscina, quadra de basquete, sauna e deixaram de frequentar clubes. Os nossos filhos também começaram a procurar outras coisas. Eles já não sofriam do preconceito que nós velhos sofremos. As coisas foram se perdendo – explicou Seu Caio.

A única salvação para o Aristocrata era vender o que havia restado do seu patrimônio para pagar dívidas. Há cerca de dez anos, o clube de campo foi desapropriado pela prefeitura. O que sobrou do dinheiro foi investido na nova sede.

– Isso aqui é uma semente. Estamos plantando uma semente novamente. Tudo que pudermos fazer, com ou sem ajuda, para o idoso e as crianças negras nós faremos. É um espaço para dançar e conversar. Estamos resgatando nosso tempo porque nossos filhos têm agora muitas possibilidades. Não há motivo para eles ficarem nesse gueto. Mas eles vão ajudar porque o clube é como Fênix, renasce das cinzas. Nós vamos embora, mas alguém vai ficar. O negro está na moda – constata Oliveira.

Um dos vice-presidentes do clube, Paulo Fernando Correa conta que todo o arquivo do mais famoso clube de negros de São Paulo ainda está chegando à nova sede. São caixas de fotos, revistas, jornais e documentos. A festa de inauguração ainda será marcada.

_ Podemos dizer que as gerações anteriores do Aristocrata fizeram a sua parte. Mas nem tudo está resolvido. O nosso problema hoje é a inclusão. Nossos filhos continuam enfrentando barreiras. A gente brinca que o Brasil é o país da miscigenação, mas é para descontrair. Ela existe até a página dois. O Aristocrata está voltando para lutar por mais essa mudança.

Aos 54 anos, o clube de negros mais famoso de São Paulo vai virar filme. O projeto está sendo capitaneado pelo rapper paulistano Emicida está ainda em fase de pesquisa. Em 2004, um documentário retratou a memória do Aristocrata.

 

Foto: Michel Filho

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