Por que a Globo ficou indignada com o racismo contra a Maju?

Nas últimas semanas ganhou destaque nas redes sociais os ataques racistas sofridos pela jornalista Maria Julia Coutinho, atualmente responsável por apresentar a previsão do tempo no Jornal Nacional, da Rede Globo. Maju, como é mais conhecida, é a primeira jornalista negra que faz este papel no telejornal de maior audiência do Brasil.

Por Dennis de Oliveira Do Portal Fórum 

A reação ao racismo foi imediata e ganhou o horário nobre do próprio Jornal Nacional, na voz de William Bonner, que não teve pruridos de chamar os autores de criminosos. Pela primeira vez, no JN, o racismo é tratado como manda a lei: como crime.

Contradição: este mesmo JN não tem dado destaque a luta dos movimentos sociais negros por ações afirmativas. Pouca ou nenhuma visibilidade dá para os vários casos de crime de racismo que, por conta desta pouca visibilidade midiática, acabam redundando em nada. Assim como todas as políticas de combate ao racismo implantadas nos últimos anos não merecem o destaque devido.

Indo além. O diretor da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, é autor de um livro intitulado “Não somos racistas”.  O objetivo do livro é claro (um bom trocadilho): fazer oposição a política de cotas do governo do PT.  Para isto, defende que o racismo é um comportamento desviante, vergonhoso e que não encontra eco nas instituições sociais brasileiras.

Esta tem sido a principal base do racismo midiático, que se pode chamar de “neodemocracia” racial. A ideia central é que a sociedade, na sua estrutura, na cultura, no seu modus operandi, não é racista e que os comportamentos racistas, quando ocorrem, são desviantes. Daí então que o racismo é meramente um fenômeno pontual que não merece atenção de políticas públicas específicas, mas apenas e tão somente o repúdio daqueles que tem um comportamento “adequado”.

Percebe-se isto nas tramas das novelas da Globo quando abordam o racismo. Ele sempre é apresentado como um comportamento destestável, desviante, mas pontual, de algumas pessoas,  em geral as vilãs. E a superação do racismo está na demonstração da competência do negro ou negra, no seu esforço, enfim, uma superação individual. Isto traz, como consequencia, que negros e negras que eventualmente não conseguem superar as barreiras da exclusão, são por pura incompetência e não por conta das estruturas racistas.

Maria Julia Coutinho, a Maju, é competente, esforçada e teve o reconhecimento da Globo. Portanto, a instituição “cumpriu” o seu papel. Os que a atacaram não só praticaram um comportamento inadequado e desviante pelo racismo, mas também porque colocaram em xeque os  critérios meritocráticos da Globo. Afinal, não se trata de uma menina moradora de uma favela do Rio de Janeiro que foi morta pelas forças policiais, mas uma jornalista que passou pelo crivo de seleção da Globo.

A indignação dos colegas de Maju da Globo são importantes. Porém, para além do apoio à jornalista e o repúdio aos ataques racistas, é um episódio importante para se entender a natureza do discurso racial da mídia. Esta é a lógica narrativa das chamadas elites logotécnicas que assumem a hegemonia da nova territorialidade da disputa racial – o espaço midiático.

+ sobre o tema

M.A.C. posta lábios de modelo negra e recebe comentários racistas

Vários seguidores disseram que ela não era tão bonita...

Moïse é torturado e morto todos os dias com a chancela de milhões no Brasil

A execução do congolês Moïse Kabagambe a pauladas em...

A reação conservadora à expressão da juventude negra da periferia

  A repressão aos rolezinhos patrocinada pelos interesses...

para lembrar

‘Racismo continua em todos os EUA’, diz jovem que desafiou leis de segregação

Hoje aos 70 anos, Franklin McCain pediu para ser...

Janine: Cotas serão necessárias enquanto houver racismo

Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação Políticas de ação afirmativa, como...

E se os mortos da Maré fossem do Leblon? – Mário Magalhães

Foi nesta semana, mas, a considerar o noticiário,...
spot_imgspot_img

Aluna é vítima de racismo e gordofobia em jogo de queimada na escola

A família de uma adolescente de 15 anos estudante do 9º ano do Colégio Pódion, na 713 Norte, denunciou um caso de racismo e preconceito sofridos...

Atriz Samara Felippo presta depoimento em delegacia sobre caso de racismo contra filha em escola de SP

A atriz Samara Felippo chegou por volta das 10h desta terça-feira (30) na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, no Centro de São Paulo. Assista o...

Número de pessoas mortas pela PM paulista cresceu 138% no 1º trimestre

Dados divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo mostram que o número de pessoas mortas por policiais militares em serviço no...
-+=