A africanidade e o espírito libertário de Alzira, vivos em nós!

A narrativa do romance de estreia de Goli Guerreiro, Alzira está morta, premiado no concurso João Ubaldo Ribeiro, tem três aspectos centrais: é informativa, transatlântica (conceito de Beatriz Nascimento) e bela.

Por Cidinha da Silva, do Blog da Cidinha 

A informação fundamentada na pesquisa e na escrevivência (conceito de Conceição Evaristo) da autora, e o trânsito pela África Ocidental e pela Diáspora Negra cobrem 80 anos da história cultural de Salvador, povoam o livro desde a primeira página. A beleza, entretanto, cresce à medida que a antropóloga cede lugar à escritora.

A autora está na contramão da vasta pesquisa de Regina Dalcastagné sobre o romance brasileiro (1990-2004). Os resultados destacam a autoria de homens brancos e heterossexuais, entre 30 e 40 anos e residentes no Sudeste do país. Personagens centrais homens, escritores ou jornalistas, imersos em dilemas existenciais da classe média.

resenha a tarde

Goli Guerreiro é mulher, lésbica, entrou há pouco na casa dos 50. É soteropolitana e vive em Salvador. Em comum com os autores recenseados por Dalcastagné, apenas o pertencimento racial.

A leitura do livro, entretanto, nos mostrará que a autora branca não esbarra em estereótipos e questões éticas. Ao contrário, percebe-se a tensão racial na postura de Alzira na relação com as personagens brancas e a presença crítica (e irônica) da autora. À página 191, por exemplo, Alzira, desconfiada, recebe uma pesquisadora e temos o seguinte: (Alzira) Preferia que você fosse negra. (Lucila) Eu também – disse a moça, encarando-a com discreto sorriso.

Alzira é arquétipo de múltiplas mulheres libertárias que inspiraram a autora: Lélia Gonzales, Zora Hurston, Dete do Ilê Ayê, Arany Santana, entre outras. Transnegressora (conceito de Arnaldo Xavier), como todas as Iabás, como filha de Ewá. Faz a primeira viagem a Lagos, Nigéria, na década de 1930, para cumprir um desejo da mãe e quem sabe lhe dar netos legitimamente nagôs.

A autora prefere chamar as partes do livro de frames, ao invés de capítulos. Acrescentaria que Alzira mesma é um frame, uma borda firme e bem delineada que nos permite vislumbrar as águas do Atlântico e por elas navegar com o apoio do arco-íris como caleidoscópio de vozes, texturas, sabores, imagens, tranças econômicas e conhecimento tecnológico transatlântico.

As imagens de Alzira em diversas faixas etárias, de seus pais, das paisagens urbanas visitadas, dos artefatos e fotografias, bem como os textos de contextualização histórico-cultural no início de cada frame, são marcas significativas de uma narrativa ágil e convidativa. Porém, algumas passagens mereceriam mais literatura e menos antropologia.

 

Alzira está morta é amálgama de africanidades, espírito libertário e protagonista de mulheres pouco ouvidas e compreendidas em sua complexidade na História, mas que existiram. Existem. São nossas preciosas ancestrais reveladas pela singular Alzira.

 

*Cidinha da Silva é escritora, autora Racismo no Brasil e afetos correlatos (2013), entre outros.

+ sobre o tema

Oração dos Orixás

Que a irreverência e o desprendimento de Exú te...

Pantera Negra 2: Michaela Coel entra para elenco do filme da Marvel

Pantera Negra 2: Michaela Coel, conhecida pela aclamada série I...

Cultura Africana

A cultura africana tem uma principal característica: a diversidade....

para lembrar

O que é que a Nigéria tem?

POR SUELI LIMA Tem Nollywood, uma forte indústria cinematográfica que...

Élida Muniz posa para ensaio especial de maquiagem

Depois de gravar a última temporada de “Malhação” por...

Festival de Berlim: Don Cheadle vira diretor de obra-prima com Miles Ahead

Classificado já de obra-prima em conversas de corredor do 66º...

Estudo acha indícios de diversificação humana há 100 mil anos

Um estudo divulgado nesta quinta-feira e que será...
spot_imgspot_img

50 anos de Sabotage: Projeto celebra rapper ‘a frente do tempo e fora da curva’

Um dos maiores nomes no hip hop nacional, Sabotage — como era conhecido Mauro Mateus dos Santos — completaria 50 anos no ano passado. Coincidentemente no mesmo ano...

Iza faz primeiro show grávida e se emociona: “Eu estou muito feliz”

Iza se apresentou pela primeira vez grávida na noite do sábado (27), em um show realizado no Sesc + Pop, em Brasília, no Distrito Federal. Destacando...

Festival Feira Preta tem shows de Luedji Luna, Tasha & Tracie e Marcelo D2 a partir de sexta no Parque Ibirapuera, em SP

Mais uma edição do Festival Feira Preta, um dos maiores eventos de cultura negra da América Latina, vai ser realizado a partir desta sexta-feira...
-+=