A África nos museus na Europa
Face aos desafios e à complexidade da mundialização, a arte africana ocupa o centro de um vivo debate cultural e político sobre a sua representação nos museus europeus e o destino dos bens artísticos pilhados em África durante a época colonial.
Funções educativas, transcendência da abordagem etnográfica, necessidade de renovar os percursos das exposições, atenção às exigências de um novo público multicultural. Os museus de África na Europa confrontam-se hoje com novos desafios.
O debate sobre o lugar da arte africana nos museus europeus não é de agora, mas a construção do Museu do Quai Branly veio reacender as paixões dos especialistas em torno de um projeto cultural monumental apoiado pelo antigo presidente francês Jacques Chirac e reunindo as colecções do Museu das Artes de África e da Oceania e as do Museu do Homem. Inaugurado em 2006 num clima de controvérsia, o Museu do Quai Branly foi alvo das críticas de antropólogos no mínimo “assombrados” pela mistura de objeto anônimos com obras de artistas contemporâneos, pela ausência de informações históricas inerentes aos objeto e a forma como foram obtidos, bem como por uma estrutura arquitetônica (criada por Jean Nouvel) que representa a vegetação tropical numa perspectiva primitivista e naturalista…
Valendo-se do êxito obtido junto do grande público (o museu recebeu 1,7 milhão de visitantes no primeiro ano de existência), os organizadores rejeitaram sempre este tipo de acusações, frisando tratar-se de um projetos experimental aberto a uma redefinição baseada na relação com um público que não seja elitista mas o mais popular e diversificado possível.
A restituição dos bens culturais espoliados durante o colonialismo
Os museus e os comissários reúnem em encontros e projectos de investigação. Citem-se “Broken Memory, ou comment en finir avec l’histoire coloniale”, “Patrimonio e Intercultura” da Fundação ISMU de Milão, ou “Museums as Places for Intercultural Dialogue”, financiado pelo programa “Aprendizagem ao longo da vida” e o projecto READ-ME (Rede Européia das Associações de Diásporas e Museus Etnográficos) que agrupa o Museu Real da África Central em Tervuren (Bruxelas), o Museu Etnográfico (Estocolmo) e o Museu do Quai Branly (Paris). Um dos mais interessantes temas de debate prende-se com a restituição dos bens culturais espoliados durante o período colonial a título de ressarcimento moral. A maioria dos objetos foi confiscada aos africanos entre 1870 e a Primeira Guerra Mundial, isto é, em plena conquista colonial e militar. Assiste-se recentemente a um aumento dos pedidos de restituição de objetos, alguns dos quais já regressaram a África: em 2003, por exemplo, a Argélia recuperou o selo do dei de Argel, roubado pelo exército colonial francês em 1830, bem como o obelisco de Aksoum (Etiópia), “levado” pelos soldados italianos em 1937 e restituído às autoridades etíopes em 2005 no termo de duras negociações.
Ainda que admitam a legitimidade dos pedidos avançados por individualidades públicas ou privadas, os diretores dos museus ocidentais sublinham o papel que exercem na promoção do patrimônio cultural dos países do Sul e o fato de partilharem os seus conhecimentos a nível mundial. A quem restituir os objeto? Interrogam-se entre outros os museus ocidentais. Não é possível identificar os proprietários e os Estados não dispõem de estruturas e meios adequados para preservar coleções de grande valor artístico. Para obviar a este problema, Bourema Diamitani, Director do Programa dos Museus da África Ocidental (WAMP), propõe uma cooperação reforçada entre os museus do Norte e os do Sul do mundo.
O Secretário-Geral da Organização da Francofonia (OIF) e antigo Presidente do Senegal, Abdou Diouf, declarou a propósito que {xtypo_quote}”o problema da restituição, frequentemente apresentado de forma polêmica, merece um tratamento razoável (…) O direito deve ser aplicado (…) mas a cooperação, a parceria e a co-responsabilidade permanecem noções essenciais”.{/xtypo_quote}
E os migrantes?
Importa não esquecer os projectos que visam valorizar os patrimônios não ocidentais oferecendo um serviço de mediação intercultural, em resposta ao imperativo cada vez mais premente de cultura e de cidadania expresso pelas populações de origem estrangeira. É a estas exigências que se dirigem projetos como “Migrantes e patrimónios culturais no Piemonte”, que tendem a associar os mediadores imigrados em actividades de animação em que as máscaras e os amuletos africanos representam “objectos-pretextos” de narração dos seus percursos de integração.
No presente contexto migratório, o papel das coleções etnográficas é também o de utilizar as riquezas que foram acumuladas na maioria dos casos de forma violenta e injusta, para criar novas pontes entre países ex-colonizadores e ex-colonizados cujo destino comum está ligado às migrações. A narração das pilhagens, em vez de dividir, poderá, pelo contrário, reforçar este laço.
Fonte: http://www.acp-eucourier.info/A-Africa-nos-museus-na-Eu.482.0.html?&L=3
Edição N° VIII (N.E.) – Outubro/Novembro 2008
Imagem: Angèle Etoundi Essamba, Mother and son, da série “Motherhood”, 1987, fotografia a preto e branco.
© Angèle Etoundi Essamba