No final de julho, os ministros da Cultura do G20, reunidos na Itália, deram um recado para o mundo: a cultura e a economia criativa terão papel determinante na retomada da pós-pandemia e devem estar no centro das políticas públicas para estimular o emprego, a renda, a educação, a diminuição das desigualdades, a criação de um ecossistema digital saudável e seguro, a saúde mental e a sustentabilidade do planeta.
A constatação não é mera retórica. No campo da economia, por exemplo, a importância desses segmentos é inquestionável. No caso do Brasil, em 2019, ano pré-pandemia, a economia criativa respondeu por 2,61% do PIB e movimentou R$ 171,5 bilhões no país, segundo Estudo da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro). No mesmo período, o importante setor da construção civil contribuiu com 3,7% para o PIB nacional, de acordo com o Dieese.
No campo do emprego, o segmento também é uma máquina de geração de oportunidades. Segundo o Observatório do Itaú Cultural, no último trimestre de 2019 a economia criativa empregava nada menos que 5,2 milhões de trabalhadores. Aqui também vale a pena a comparação com a construção civil, que, no mesmo período, registrava 6,8 milhões de empregos. Ou seja, o cotejo do PIB das duas indústrias mostra que a economia criativa empregava, proporcionalmente, mais que a construção civil no pré-pandemia.
Mas não é só no campo da economia que as bandeiras defendidas pelos ministros do G20 podem fazer a diferença. Em um momento em que iniciamos a volta dos alunos às escolas, a cultura e as atividades criativas podem contribuir para acolher e encantar as crianças e os jovens neste recomeço.
Exemplos de que a arte melhora o aprendizado, diminui a violência e reduz as desigualdades são abundantes. O Programa Guri da Grande São Paulo, por exemplo, demonstrou que os alunos atendidos em seus projetos de formação musical apresentaram melhora significativa das habilidades emocionais, comportamentais e vivenciaram estreitamento das relações familiares, entre outros indicadores positivos. Cada real investido nessa iniciativa gerou R$ 6,53 em benefícios sociais.
A cultura também é apontada por especialistas como estratégica para desenvolver a criatividade, o pensamento crítico e as relações colaborativas. Construir ambientes que estimulem essas competências terá impacto na educação e no mundo do trabalho, beneficiando os indivíduos e a competitividade do país.
Na Carta de Roma, como ficou conhecido o documento elaborado pelos ministros do G20, fica patente, ainda, a centralidade da cultura para enfrentarmos o desafio da saúde mental, que está afetando milhões de brasileiros nesta crise sanitária. Na Inglaterra, por exemplo, o programa Artlift, que adota atividades artísticas para melhorar a qualidade de vida de pacientes com depressão e ansiedade, reduziu em 37% as taxas de consulta e, em 27%, as de hospitalização dos atendidos, gerando economia de 216 libras por indivíduo ao NHS, o sistema de saúde pública do país.
Mesmo com todo esse potencial, não se viu e não se vê no horizonte uma estratégia do Estado e da sociedade brasileira para colocar a arte e as atividades criativas no centro das políticas públicas. O que se observa, na verdade, é um desmonte e um debate ineficiente e desfocado, que só amplifica o descaso com esses segmentos que tanto podem contribuir para a nossa recuperação.
A cultura e a economia criativa, com as suas múltiplas potencialidades transformadoras, podem ser decisivas para o Brasil conquistar desenvolvimento com equidade. O país precisa focar na retomada e abandonar as crises artificiais e deletérias que estão tragando toda a nossa energia.
Converter a Carta de Roma, que sobretudo fortalece os direitos humanos e a democracia em um guia central de políticas públicas, seria um bom começo. Precisamos agir.
Eduardo Saron
Diretor do Itaú Cultural, presidente do Conselho de Cultura e Economia Criativa do governo de São Paulo e membro dos conselhos do Instituto CPFL e do Instituto Cultural Vale