Ao seu, ao meu, ao nosso “amigo” que pensa ser antirracista, mas que na verdade… 25 tópicos para você deixar de ser um(a) perpetuador(a) do nosso racismo estrutural!

Que se diz antirracista, ou pessoa em desconstrução ante “nosso” racismo estrutural, mas que diz, faz e defende cada barbaridade. Esta lista é para aquela pessoa que você conhece, que se diz ser contra o racismo no Brasil e no mundo, que diz buscar ser cotidianamente antirracista, mas que na prática acaba sendo exatamente quem você diz não querer ser, a quem você busca renegar e combater! Quem nunca conheceu, ou convive, com alguém assim? Formulada até mesmo enquanto uma forma de desabafo sarcástico, ante cada absurdo que você acaba presenciando ou sendo informado, por quem realmente faz luta antirracista uma prática de vida, orgânica e libertária, visando a construção de uma sociedade livre da chaga e vergonha do racismo. Marque, mande para aquela pessoa que adora justificar suas falhas e atitudes racistas, dizendo que não teve a intenção, ou nem imaginava que estava sendo racista… Que jura ser solidária e participante da luta contra o racismo, que orgulha em se autopromover como antirracista, desprovida de preconceitos, mas que na verdade, revela em cada ação sua, uma realidade bem diferente do que aparenta ser nas mídias sociais, nas relações de trabalho, nas relações pessoais e familiares… São vinte e cinco tópicos, e poderiam ser mais alguns tantos, mas para facilitar uma fácil compreensão – já que esse tipo de pessoa cita muitas frases de internet, mas lê muito pouco – e o texto não ficar muito longo, segue as dicas-orientações, que esperamos possam contribuir para que não tenhamos que, ao menos, ouvir tantas falas ou posturas tão imbecis daqueles que dizem estar conosco, serem nossos aliados, mas que não cansam de repetir e reproduzir suas imbecilidades, que tanto nos magoam, que tanto nos ferem! Portanto, vamos aos tópicos:

Essa é para você, que…

1-) Se diz antirracista, mas não respeita a fala de quem vive e, literalmente, morre, na defesa e pela defesa de ser antirracista na prática, na vida! Você não é o centro dessa experiência, dessa realidade; 

2-) Se diz antirracista, mas não desapega de se portar e agir como a representação viva do sujeito universal, do modelo a ser seguido e não questionado. Não consegue conceber que o mundo não gira ao seu redor e você não é o centro do universo, ser antirracista é ter consciência dessa condição e se posicionar em sociedade a partir dessa constatação;

3-) Se diz antirracista, mas não consegue compreender, ou não se importa, de que manifestações, eventos, palestras, seminários, em que pessoas negras pautam e discutem o racismo na sociedade brasileira, analisam e problematizam a estrutura racista e patriarcal da sociedade brasileira, não são locais para a manifestação pública de pretensos traumas de pessoas brancas também vítimas de uma sociedade racista. Em que tornam como centralidade da discussão as suas “descobertas” do racismo no Brasil e como sua luta para se desconstruir de seu racismo/machismo tem sido tão difícil, querendo equiparar tal situação a vivência histórica das pessoas negras estruturalmente já inferiorizadas desde antes do seu nascimento;

4-) Se diz antirracista, mas não opta em manifestar sua experiência enquanto pessoa branca, ou não negra, desconstruída ou em desconstrução de sua formação e condicionamento socialmente racista, produzindo e financiando os seus próprios eventos, pois prefere usar os – tão raros e limitados – espaços de manifestações e circulações de vivências/experiências negras. Não sendo nada antirracista e muito menos em desconstrução na prática, mas apenas dando uma abordagem dissimulada na velha prática de setores intelectuais e políticos, em ocupar e lucrar com as pautas dos grupos historicamente minorizados;

5-) Se diz antirracista, se considerar e se promove enquanto pessoa tal, ou em vias de desconstrução, como se isso lhe desse direito em querer pautar a luta antirracista e de negritude dos movimentos negros nacionais, ou de determinar como personalidades negras devam se portar, agir ou falar. Síndrome de ”pai branco civilizador/salvador” ou da “boa sinhá /Dona Benta”, que caso você não saiba, ou ainda não percebeu, é muito, mas muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiito racista, não sendo por isso possível se dizer antirracista e acabar agindo dessa maneira;

6-) Se diz antirracista, mas não para de ficar divagando sobre racismo estrutural, ou de ficar citando Lélia Gonzáles, Angela Davis, Djamila Ribeiro, Silvio Almeida e nunca ter lido, e muito menos entendido, um único livro dessas autorias. Fica apenas repetindo e reproduzindo frases de facebook, com uma postura descolada e modernosa, pretensamente progressista. Mas totalmente desrespeitosa com a luta de fato;

7-) Se diz antirracista, mas acredita piamente que ler, analisar, debater, criticar e combater o conceito de branquitude, assim como de seus efeitos discriminatórios e elitistas na sociedade brasileira, é promover ódio, racismo ou revanchismo “contra os brancos”. Uma postura e ideário que não se permite a quem se coloca como antirracista, não podendo nem ser utilizada o argumento-justificativa de que “ainda sou uma pessoa racista em desconstrução”. Quem defende e promulga tais canalhices e inverdades não está em desconstrução e muito menos é antirracista;

8-) Se diz antirracista, mas sempre taxa e classifica todas as falas e discursivas negras como exageradas, pautar como “mimimi” todo posicionamento ideológico dos movimentos negros ou desmerecer enquanto vitimismo as reivindicações das populações afro-brasileiras;

9-) Se diz antirracista, se posiciona e se declara enquanto pessoa solidária a causa e luta, mas só convive, trabalha e circula por ambientes sem a presença de pessoas não brancas, sendo isso no mínimo contraditório. Afinal de contas, diz lutar ou contribuir para “acabar” com o racismo no Brasil, mas não altera não a realidade a sua própria volta. Um verdadeiro exemplo do mais puro suco da hipocrisia racista brasileira;

10-) Se diz antirracista, e assim age como se pudesse definir quem pode ou não se posicionar, ou se expressar, enquanto antirracista. Como se pudesse colocar quais são os limites da negritude, para definir, apontar quem é ou não negro. Impondo uma linha de corte racial, implantar uma régua colorista definidora de quem você aceita, ou não, como pessoa negra. Sendo que tal postura, por mais abjeta que seja, ocorre, sem pudores, muito mais do que se imagina;

11-) Se diz antirracista, se declara uma pessoa em processo de desconstrução dessa sua condição, mas fica repetindo atos e pensamentos racistas, ou tendo atitudes discriminatórias. E quando confrontado por seus atos, não assume os seus erros, não assume os seus crimes – sim, racismo é crime e não importa as opiniões em contrário – e opta em usar uma narrativa vitimista de ser um ser “ainda” em desconstrução, que está “se esforçando para ser um ser humano melhor”, como se tal postura fosse suficiente para absolvê-los de suas ações;

12-) Se diz antirracista, mas não se envergonha, nem se cansa de usar as desculpas de que “possuí amigo(a)s negro(a)s”, de que namoro com negro(a)s ou sou “filho(a), neto(a), casado(a)” de negro(a)s. Não se inibe em dizer que “cresceu, conviveu e que os seus melhores amigos são negros”… Agindo como se a discussão, a pauta o combate ao racismo se desse a partir de suas vivências ou experiências particulares, e não através de manifestações-ocorrências públicas. Se esquecendo, ou não conseguindo compreender que não é a sociedade que deve se adaptar ou se comportar a você, mas sim ao contrário;

13-) Se diz antirracista, mas não titubeia em utilizar do famoso e desprezível jargão: “Quem me conhece sabe…” Racista ou não racista, nenhuma pessoa deve utilizar essa expressão para nada, uma das maiores pragas que assolam a produção textual nacional e que ganha ares de deboche, de crueldade cínica, quando associadas a “pedidos de desculpas” por atos ou ações racistas;

15-) Se diz antirracista, mas não se envergonha em utilizar o famoso: “Peço desculpas a quem se sentiu ofendido…”, outra expressão das mais infelizes e presentes ao nosso uso dialogal nos últimos tempos. Além do seu cinismo em parecer que está se desculpando, quando na verdade não está, ainda culpabiliza aos vitimados ou indignados ante ao racismo estrutural brasileiro. Revelando, em geral, pessoas ou grupos que se colocam acima das regras comuns, numa certeza de estar inserido em esferas de impunidades que lhe afastam de qualquer punição ante seus atos. Então se você se diz ou se considera antirracista, ou a caminho de, risque está expressão de seu vocabulário;

16-) Se diz antirracista, mas não perde a chance de soltar pérolas como: “Queria ter nascido dessa cor”, “queria ser assim… Assim, desse jeito, que nem vocês…”, “queria ser negro, tão bom estar na moda…” Não precisa nem explicar o quão absurdas e descabidas são tais expressões. Nem o quanto elas revelam quanto o racismo está enraizado até mesmo em nossas relações sociais mais íntimas e particulares. Repetir esses chavões não é “natural”, não se dá “por acaso”, não é “brincadeira”, nem é “carinhoso”, mas são sim racistas para um caramba, e demonstram que você precisa muito ainda a se desconstruir;

17-) Se diz antirracista, mas sempre se posiciona ao lado de quem promove racismo e atos discriminatórios. E ainda opta em querer justificar tal incoerência com ataques ou exageros ao que considera radicalismos das militâncias negras, revelando que de fato, de antirracista você não tem nada;

18-) Se diz antirracista, se divulga como antirracista, mas se cala e se omite ante qualquer situação mais crítica, que requeira uma ação pública mais significativa de sua parte. Mas não dispensa os likes e capital social que obtém a partir de seu aparente bom mocismo, e oportunista, social e discurso contra o racismo;

19-) Se diz antirracista, se posiciona como pessoa desconstruída nesse sentido, mas usufrui das produções artísticas, políticas e culturais das populações não brancas, como se fossem suas. Não divulgando as obras e as autorias aos quais realmente subsidiam o seu discurso e acabam por destacar a sua presença pública. Dessa forma despeitando as seculares resistências negras e indígenas pelo direito de ser quem são, pela afirmação de suas próprias humanidades. Dessa forma contribuindo para o apagamento e silenciamento das autorias, das narrativas históricas e sociais não brancas, não hegemônicas, em nossa sociedade;

20-) Se diz antirracista, mas defende o direito do comediante em ser racista, do jornalista, do esportista, enfim, de qualquer pessoa em ser racista, menos os direitos das vítimas do racismo. Defendendo os “bons tempos” em que se podia contar piadas ou falar o que se pensava sem medo da “patrulha ideológica”. O que acaba por revelar quem de fato você é, aquilo que você defende, mas não possuí coragem para assumir.

21-) Se diz antirracista, promulga um discurso contra o racismo, mas sempre defende ou vota em candidaturas que direta ou indiretamente defendem ideias que acabam afetando negativamente as populações não brancas. Não divulgando e, muito menos, votando em candidaturas políticas negras ou indígenas;

22-) Se diz antirracista, se coloca como um racista em desconstrução, mas não perde a chance em repassar aquele post do Morgan Freeman, totalmente tirado de contexto, todo dia 20 de Novembro;

23-) Se diz antirracista, mas perpetua os estereótipos do exotismo associados as culturas negras, fora as práxis contínuas de hiper sexualização das pessoas negras, associando os homens negros a uma marginalidade criminal e violência sistêmica e as mulheres negras a uma histeria congênita e inveja patológica. Numa postura paternalista de querer indicar como estas pessoas devem agir em espaços públicos, sempre por uma perspectiva eurocêntrica;

24-) Se diz antirracista, se postula como solidário a essa causa, mas acha perfeitamente natural, não pagar dignamente aos artistas, ativistas, palestrantes não brancos, em seus exercícios profissionais. Agindo como se “dar espaço” fosse uma forma de moeda financeiramente legitima ou pagasse contas ou boletos. Não repassando os créditos de imagem social e comercial que tais ações geram, aos devido e legítimos a(u)tores sociais dessa luta, optando em se beneficiar exclusivamente com o trabalho e labuta política alheia. Perpetuando uma herança de nosso escravismo fundante e do nosso mito de cordialidade social, que legitima essa postura dissimulada de não reconhecer e muito menos pagar pelo trabalho a quem considera como seus inferiores sociais e desiguais em humanidade, ao mesmo tempo em que se beneficia por esse processo;

25-) Ser antirracista é uma luta de todos, mas respeite e se oriente por aqueles que lutam, (sobre)vivem e morrem, ainda hoje, aos milhares a cada ano que passa, por essa luta! Agindo assim, simplesmente assim, você já dará um passo importante para iniciar verdadeiramente o seu processo de desconstrução antirracista! Fora isso é só mais um a atuar dissimuladamente para perpetuação do racismo nosso de cada dia!


Christian Ribeiro, sociólogo, mestre em Urbanismo, doutorando em Sociologia pelo IFCH-UNICAMP. Professor titular da SEDUC-SP, pesquisador das áreas de negritudes, movimentos negros e pensamento negro no Brasil.

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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