As cotas para os negros e o racismo no Brasil

 

 

Anderson Belmiro

Caríssimos, gostaria de participar dessa discussão sobre tão polêmico tema das cotas para negros em concursos públicos, levantada recentemente pelo site Concursos no Brasil. Sou negro e funcionário concursado da Petrobras. Não me beneficiei de nenhuma cota para ingresso no serviço público.

Minhas filhas atualmente estudam numa das melhores escolas da minha cidade e a escola é bilíngue, lembrando que, em suas respectivas classes, elas são as únicas alunas negras. A escola tem aproximadamente 500 alunos, mas os negros não somam 15 crianças, ou seja, estamos falando de menos de 3% do total.

Moro numa casa cujo valor de mercado é de aproximadamente R$ 500.000, logo, novamente, somos exceção nessa rua. Minha esposa, que também é negra, está se preparando para concursos, assim como eu, que estou cursando faculdade com a finalidade de prestar novos cncursos. Eu sempre estudei em escola particular, minha mãe se aposentou como empregada doméstica, estudei em boa escola graças ao bom coração de sua patroa, que pagava pelos meus estudos.

Pois bem. Após externar tais questões particulares (menos como ostentação do que como testemunho), discorrerei brevemente sobre as questões que envolvem o polêmico tema das cotas. Recentemente, vi uma entrevista do Ministro Joaquim Barbosa, na qual o mesmo afirmava que o Ministério das Relações Exteriores era um dos locais mais racistas do Brasil. O próprio Barbosa havia tentado ingressar para a carreira diplomática, sempre com aprovação na prova escrita, mas ao chegar à fase de entrevistas sempre arrumavam uma forma de eliminá-lo…Resultado: o ministro teve que se contentar com a carreira de oficial de chancelaria, que é um cargo de apoio no mesmo Ministério das Relações Exteriores.

Considero muito difícil que este homem não tenha condições de se tornar Diplomata – justo ele mesmo,  que foi aprovado para ocupar uma vaga de Procurador Federal, dentre outros concursos bem sucedidos! 

Eu fiz um processo seletivo há mais de 15 anos para trabalhar numa empresa estrangeira, que estava em expansão no Brasil. Fui indicado para participar dessa seleção por uma amiga da família. Achei a provinha ridícula, tanto que fiquei sabendo, por intermédio da pessoa que me indicou, que fui o primeiro colocado.

Agora vem a parte boa e pasmem os senhores: estou até agora esperando ser chamado para trabalhar naquela empresa. Na companhia onde hoje atuo temos nos quadros mais ou menos uns 15% de negros, no entanto, nos cargos gerenciais esse número cai para menos de 3%. Inclusive, há atualmente uma política de valorização da diversidade de raça, sexo, etc, mas na prática, não vejo grandes avanços.

Penso que é de uma hipocrisia extrema não falarmos em racismo no Brasil. Somos metade da população brasileira, entretanto, nos sub-empregos, nas prisões, nas escola públicas, nas favelas, somos disparados a maioria. Assim, vejo que a cota não é a solução, porém com certeza é um paliativo para um povo que é segregado há centenas de anos.

Os que são contra as cotas raciais falam que o governo precisa ter uma política consistente de valorização nas escolas públicas e que a educação seria o caminho. Senhores e Senhoras, se começarmos hoje uma política séria de educação pública no Brasil, não teríamos resultado concreto em menos de 20-25 anos! O que fazer com essa população hoje?

Quando começou a política de cotas nas Universidades públicas, os que eram contrários diziam que os alunos que cotistas teriam sérias dificuldades ao longo da caminhada estudantil, para acompanhar as matérias de maior complexidade (o que não deixa de ser de todo mentira, como dados da realidade recente também demonstraram). No entanto, esse discurso separatista e racista não se confirmou, pois se verificou, em poucos anos, que os cotistas tinham plenas condições de superar seus dilemas educacionais, alcançando até mesmo as melhores notas no Enade.

Eu não vejo tanta gente reclamando pelas ruas o porquê negros bem preparados educacionalmente são preteridos nas promoções dentro das empresas. O engraçado é que quando verificamos o estacionamento das universidades públicas encontramos dezenas de carros importados e poucos eram os jovens nessas faculdades oriundos de escolas públicas, antes das cotas.

Não querer admitir as cotas é não admitir o óbvio: ainda vivemos num país extremamente racista. Concluo constatando que, de fato, alguma coisa precisa acontecer para reparar tanto tempo de segregação, se não a racial, ao menos a social e a econômica.

 

 

Fonte: Concursos no Brasil

 

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