As dicas de livros, filmes e viagens de Aline Midlej

A ex-embaixadora americana Samantha Power, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie e a filósofa brasileira Sueli Carneiro são alguma das pensadoras recomendadas pela jornalista

Aline Midlej nasceu no Maranhão, no seio de uma família baiana de origem libanesa mas viveu a vida toda em São Paulo. Nos últimos anos, trocou a capital paulista pelo Rio, de onde agora apresenta o Jornal das Dez, da Globonews. 

Entre os seus gostos musicais, estão o samba e o reggae. O sonho de viagem pós-pandemia é uma incursão nos países do Leste Europeu. A viagem inesquecível? São várias, na verdade, feitas ao longo de dois anos em que arrumava as malas e partia para o continente africano para relatar o cotidiano de países quase nunca retratados pela imprensa nacional para um programa da TV Brasil. 

Com ampla experiência na cobertura de Direiros Humanos (um prêmio Esso e um Vladmir Herzog no currículo), Aline se destaca na cobertura diária brasileira pela paixão e pelos comentários incisivos sobre racismo, machismo e outras opressões presentes no noticiário brasileiro. 

Essa é uma parte do caldeirão cultural que formam essa jornalista que, aos 38 anos, é um dos rostos mais conhecidos do Brasil e que, com seu jeito franco e direto vem ganhando  admiradores com seu trabalho. À Vogue, ela conta quem são os autores que mais tocaram sua mente e seu espírito nos últimos anos – e de que maneira essas ideias se manifestam na sua vida profissional.

Vogue O que você está lendo? Pode contar um pouco sobre o livro e que insights te deu?

Aline Midlej Sempre alterno dois livros. Tento combinar romances com não ficcionais. Às vezes, não rola, como agora. Estou lendo “A Educação de uma Idealista”, de Samantha Power.  Jornalista, ativista dos direitos humanos e ex-embaixadora dos EUA na ONU, escreveu um relato denso e inspirador para qualquer pessoa. Já o meu colega brasileiro, o Alexandre Versignass, publicou “Crash: uma breve história da economia”, que é uma obra didática e bem escrita, cheia de curiosidades. Vale registrar o romance “Torto Arado” que acabei agorinha, um livro obrigatório sobre o Brasil, do brilhante Itamar Vieira Júnior.

Vogue Quais livros escritos por mulheres marcaram sua vida e por que?

AM Ah, que difícil!!! São muitas referências, mas destaco algumas: Hanna Harendt, “A Condição Humana” – um livro fundamental para compreender os desafios da existência, e a contribuição dessa filósofa para as principais discussões do século vinte. Clarice Lispector, “Água Viva”, a melhor combinação possível entre prosa e poesia dessa mulher que falou sobre liberdade como poucos. E ajudou a nos libertar. Clarissa Pinkola, “Mulheres que Correm Com Lobos” – um mergulho profundo sobre o universo feminino.

Vogue Quais livros escritos autores negros marcaram a sua vida e por que?

AM Lélia Gonzalez: todos os textos e livros dessa intelectual negra brasileira merecem nossa atenção. Chimamanda Ngozi Adiche, com Americanah. A autora fala sobre negritude, colorismo, feminino e feminismo a partir de uma nigeriana que imigra para os EUA. Um romance original e com uma narrativa super atraente. Tony Morrison, com Be Loved, o romance mais arrebatador dessa que foi a primeira escritora negra a receber o Prêmio Nobel de literatura. Achille Mbembe, filsósofo camaronês que discorre sobre os processos de colonização e descolonização com autenticidade e coragem. O livro “ Necropolítica” vale um tempo.

Vogue Você prefere ler ficção ou não ficção? Que livros considera fundamental para entender a crise brasileira de hoje?

AM Os dois estilos se complementam no meu repertório de trabalho e prazeres. A leitura não ficcional é fundamental para a minha rotina e minha alma precisa de romances.Um livro que recomendo para entender o brasil de hoje: “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, de Lilian Schwarcz. A antropóloga vai fundo nas estruturas do poder no Brasil, o que nos ajuda a entender os fenômenos políticos atuais e os caminhos para construção de um país mais justo e bem representado.

Vogue Quais filmes mais considera mais marcantes?

AM Faça a coisa certa – Spike Lee. Ônibus 174 – José Padilha. Sophia Coppola – Encontros e Desencontros. Dreams – Akira Kurosowa. Que horas ela volta – Ana Muylaert. Blade Runner – Ridley scott. Bagdá café – Percy adlon. Pulp fiction – Quentin Tarantino

Vogue Qual é o tipo de música que está sempre no seu streaming?

AM Reggae.

Vogue Quem são suas grandes mentoras / grandes mentores intelectuais? Por que?

AM Ricardo Boechat,  pelo poder de comunicação, coragem intelectual, compromisso com o interesse público e o bem-estar das pessoas. Fernanda Young,  atriz, escritora, roteirista, apresentadora era uma das mentes mais inquietas, originais e brilhantes do país. Perdemos muito com a morte precoce dela. Me deixou o gosto pela intelectualidade ácida e a autenticidade feminina. Sueli Carneiro, o maior nome do feminismo negro brasileiro. Nelson Mandela, o grande pacifista dos nossos tempos. A entrevista que gostaria de ter feito.

Vogue Qual foi sua viagem inesquecível?

AM Para o continente africano, gravando o programa Nova África. A série foi exibida na TV Brasil, entre os anos de 2009/2010, quando percorri dezenas de nações, testemunhei desde a guerra civil no Congo, onde o estupro é a arma de guerra ainda hoje, até a revolução verde promovida pela nigeriana Wangari Maathais, a primeira mulher africana a ganhar o Nobel da Paz. Tive o privilégio de entrevista-la pouco antes de sua morte.

Vogue Que viagem gostaria de fazer quando as restrições sanitárias permitirem?

AM Visitar os países do leste europeu. Há muito para se ver, do ponto de vista histórico e de mudanças sociopolíticas desde a queda do muro de Berlim, o fim da Guerra Fria. São sociedades que precisam ser melhores compreendias.

Vogue Quais são seus rituais de bem-estar?

AM Mantenho uma rotina de atividades físicas há vários anos. Me mantém tranquila, de corpo e mente. Mesmo nos momentos mais críticos da pandemia, me mantive ativa em casa, com aulas on-line. Aprendi a amar musculação e o yoga chegou tímida até me ganhar há uns cinco anos. Reaprendi a respirar, aliás, é um reaprendizado diário sobre atenção e presença. No quesito relaxamento, não dispenso uma boa taça de vinhos, amigos, meu amor e família, perto, seja como for.

Vogue O que pretende levar desse repertório todo para o novo Jornal das 10?

AM Humanidade, envolvimento com as notícias, buscando sempre mostrar a relação dos fatos com nossos cotidianos, direitos e deveres. A política oficial, a dimensão das políticas públicas, também podem ser melhor entendidas pelos brasileiros. A pandemia, apesar do contexto trágico, apresenta uma oportunidade para isso. Veja essa CPI da covid no senado, nunca uma investigação do tipo foi acompanhada tão de perto. Isso tudo é sobre nós. Sobre as pessoas que morreram e que, talvez, poderiam ter sido salvas.

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