“Impera o silenciamento sobre nossa capacidade enquanto intelectuais e geradoras de opinião”, diz Stephanie Ribeiro
Por Stephanie Ribeiro Do Revista Marie Claire
O feminismo negro vem ganhando visibilidade nas redes sociais e espaços midiáticos. O poder das mulheres negras em uma sociedade onde somos maioria fica evidente quando 50 mil de nós saem às ruas de Brasília, durante a “Marcha das Mulheres Negras”, na última quarta-feira (18). Entretanto, ainda recai sobre nós oestereótipo de raivosa, o chamado “Angry Black Woman”. Impera o silenciamento sobre nossa capacidade enquanto intelectuais e geradoras de opinião.
Estamos falando da distinção entre um “lugar” pré-estabelecido socialmente para ser ocupado pelas negras, o da marginalização e do comportamento visto como hostil; e o do “não-lugar”, o da intelectualidade e do pensamento crítico. Impera o estigma da mulher branca “histérica”, quando responde de forma inesperada; e o da mulher negra “revoltada, agressiva, barraqueira”, não só pelo machismo, mas também pelo racismo.
No Brasil, que carrega uma história de quase 400 anos de escravidão, a negra ainda é representada segundo um padrão colonial escravista: ou é boa para o trabalho servil, silencioso e constante, uma perfeita Tia Anástacia; ou é a mulher sensualizada e selvagem, a famosa Rita Baiana da literatura nacional.
Não entramos no mérito de debater o motivo que ainda faz a mulher negra ocupar os piores empregos, receber os piores salários e ser submetida às piores condições de saúde no Brasil. O suposto comportamento agressivo é apenas uma resposta à negligência do Estado e da sociedade.
Numa escala de privilégios, no qual ser branco e/ou homem significa estar acima de nós no quesito dignidade, o nosso comportamento é consequência e não causa. É mais assustador ainda quando por parte do próprio feminismo, que diz com força estar lutando por todas as mulheres, ainda há o uso do estereótipo de que somos mulheres raivosas quando queremos falar de racismo.
Quando analisado o recorte racial, os números evidenciam que somos infelizes campeãs de uma lamentável realidade. As mulheres negras, entre 16 e 24 anos, têm três vezes mais probabilidade de serem estupradas do que as brancas, segundo dados da AGENDE (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento). O estudo“Violência Contra a mulher: Feminicídios no Brasil” realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) constatou que, em média, 5.664 mulheres são mortas por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia ou ainda um óbito a cada hora e meia.
As mulheres brancas que pedem calma para uma negra e se sentem revolucionárias assumindo alguns papeis de destaque se esquecem desses dados. O problema é que, para elas, a taxa de feminicídio regrediu, para nós, aumentou 54%. Ignorar isso dificulta a percepção de que a nossa revolução maior enquanto negras é estarmos vivas, ainda lutando pelos nossos.
Quem literalmente não está na nossa pele, não pode dizer como devemos responder a isso. Felizmente, somos capazes de responder de distintas formas. Cada vez mais, ocupamos espaços acadêmicos e intelectuais. Eu optei por me tornar uma mulher negra intelectual, a partir do momento que entendi que, não necessariamente, a intelectualidade vem com a academia, mas com o entendimento crítico do que sou.
Depois que fui bloqueada por 30 dias pelo Facebook, uma vez que meus pensamentos acerca da questão racial e feminina foram vistas como “discurso de ódio”, e que muitas foram recebidas aos tiros durante a marcha no Distrito Federal, percebi ainda mais que sempre que avançamos, o mundo age em sentido oposto, querendo nos calar e impedir nossos passos, nos indicando o suposto caminho certo, aquele que leva ao lugar pré-estabelecido da negra. Aviso: estamos lutando bravamente pelo nosso “não-lugar”. Somos todas grandes poetisas, lutando por uma sociedade mais digna e democrática.
Por isso, encerro com uma das nossas maiores intelectuais, Carolina Maria de Jesus. “Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido.”
Stephanie Ribeiro, 22 anos, é estudante de arquitetura e voz influente dentro do feminismo negro. Em 2015, recebeu da Assembleia Legislativa de São Paulo a Medalha Theodosina Ribeiro, que homenageou seu ativismo em prol das mulheres negras.