Bluesman: não é tão fácil digerir quanto parece

Qual é a dor que você carrega e não sabe bem como expressar?

Por Valéria Andrade enviado para o Portal Geledés

Foto: John Waine/capa do álbum

Quem disse que o álbum era só love song, estava errado. Quem disse que o álbum era só feito de “Te amo desgraça” parte dois-três-quatro, estava errado. Quem disse que o Baco Exu do Blues perdeu a essência, a agressividade e fez som para branco dançar, estava errado.

Eu sabia que seria um bom álbum, afinal, amo o trabalho do Baco e estava acompanhando tudo pelo Instagram do próprio. Expectativas mil. O problema é que eu não estava preparada para o que iria ouvir.

Há muito tempo eu não me sentia tão incomodada com um trabalho, parecia que alguma coisa dentro de mim falava “tem coisa aí que precisa ser resolvida, menina”. E tinha. Até brinquei com um amigo que o álbum do Baco ressuscitou umas bads de 2012.

O Bluesman é um mergulho nas nossas dores, algo que nem todo mundo está disposto a trabalhar, porque realmente machuca e MUITO. Deve ser por isso que muita gente deixou a mensagem passar, preferiu interpretar como love song (quase) todas as músicas. Claro que em cada um vai “bater” diferente, mas será que é muito difícil de analisar assim?

Nós temos essa dificuldade de verbalizar o que sentimos, de mostrar aquilo que sentimos de forma objetiva ou até subjetiva. Herança dos anos terríveis de escravidão, pois era escolher entre sobreviver ou sentir, algo tão pesado que gera uma série de problemas, o “Vivendo de amor” da bell hooks explica. O álbum nos dá essa chance de desabafar, falar sobre a nossa existência, sobre os amores, os desamores, a depressão que cada um de nós leva nem seja um pouquinho (se é que existe tal possibilidade de ser pouco). Isso sem falar, que serve de alerta sobre o quanto a nossa saúde mental e emocional anda, afinal, qual é a dor que você carrega e não sabe bem como expressar?

O Baco é tão millennial quanto eu e boa parte do público dele, a geração que parece sempre perdida, vive relacionamentos superficiais, luta para conseguir algo sem saber bem o quê, isso sem falar da nossa megalomania e arrogância constantes. O Bluesman é sobre isso também. Quando o Baco diz “o que é que faço da vida?” é de doer, porque nós conhecemos bem isso enquanto pessoas negras e enquanto millennials. Eu posso errar nisso, só que eu tenho a sensação que pela primeira vez nós conseguimos expressar o quão perdidos estamos, algo que talvez os nosso pais não tiveram o direito nem de pensar em sentir. Óbvio que é um conflito, né? Nós estamos tentando trilhar um caminho diferente das outras gerações, mas ainda temos que lidar com problemas parecidos ou até os mesmos. Situação que serve para esse modo superficial que os millenials têm de se relacionar, algo que realmente não casa com a nossa necessidade de amor enquanto pessoas negras, porque conhecemos bem a superficialidade e agora queremos aprender a amar de forma saudável. Ser millennial e pretx é possível, pode até ser bem cool, mas não deixa de ser pesado para nós.

Li algum texto sobre “AI O BACO EXU DO BLUES PERDEU A ESSÊNCIA, A AGRESSIVIDADE” e só consigo pensar que, somos pessoas plurais, diversas, donas das próprias verdades. A verdade do momento do Baco era essa e se não combina com a sua, tem outros artistas que podem suprir isso. O problema é sempre esperar que um homem negro seja agressivo, o mesmo aconteceu com o Mano Brown quando lançou o Boogie Naipe em 2016. Eu não consigo ver coisa mais agressiva para o racismo do que um homem preto falando sobre os sentimentos. E outra, desde o álbum anterior, o modo do Baco se fazer entender já estava diferente, só não percebeu quem não quis.

É óbvio que algumas faixas não conversam com todo mundo (que obsessão em gozar dentro é essa, Baco?), só que há muito que se explorar nesse álbum, é só se permitir viajar internamente e perceber que existem coisas ali que têm muito a ver com a gente.

E o que vocês acharam do álbum?

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