Chacina pode ser definida como um tipo de violência extremada: a execução orquestrada de várias pessoas em uma mesma localidade.
O jornalista Shannon Sims afirma, no The Washington Post, que a palavra “chacina” é a mais assustadora do português brasileiro, referindo-se ao massacre de pessoas após a morte de um policial, conforme excelente texto de Uvanderson Vitor da Silva, Jaqueline Lima Santos e Paulo César Ramos.
Os mandantes são sempre poderosos homens brancos, e a chacina ocorre em periferias e favelas onde a maioria da população é pobre e negra, como evidenciam os estudos realizados por diferentes universidades brasileiras.
As chacinas são uma exibição pública de poder, usada por organizações criminosas e por agentes públicos.
Elas ocorrem em períodos de crítica à violência e de reivindicações por políticas públicas para a garantia da Justiça e da vida como um direito de todos no país.
“Suspeitos” não têm classe social ou cor e podemos ver muitos deles, que não são periféricos, nem pobres, nem negros, se manifestando na grande mídia, justificando por que se apropriaram ou desviaram volumosos recursos públicos. Mas esses “suspeitos” estão inacessíveis às regras de segurança do país.
E uma extensa rede os protege —98% dos casos de morte ocorridos em operações policiais são arquivados, segundo estudos da antropóloga Juliana Faria (Unicamp 2022).
Costumo nomear esse fenômeno de pacto narcísico da branquitude.
Assim é que, para alguns segmentos das elites, o narcisismo “do pensamento único, cultura única, gênero único, religião única” impossibilita a convivência com a alteridade, com a diferença ou a oposição. O outro é uma ameaça, e a resposta é encarceramento em massa ou violência letal.
Uma sociedade aterrorizada pelo medo, em que a população exige respostas imediatas de segurança do Estado, e que tem um Legislativo conservador é um território propício para aceitar o “olho por olho, dente por dente”.
Juliana Farias, antropóloga da Unicamp, desenvolve há 20 anos estudos sobre a violência de Estado no Rio de Janeiro e acompanha a luta por Justiça em relação às chacinas protagonizada por mulheres, mães, avós e filhas de vítimas de violência que reivindicam que os crimes cometidos contra suas pessoas queridas sejam apurados e punidos.
Juliana afirma que “os casos que caminham mais na Justiça são aqueles em que as famílias e o movimento social estão acompanhando, fazendo atos nos dias de audiência e julgamentos, nas portas dos Fóruns, na porta do Ministério Público. Para esses movimentos, cada instância do Estado é responsável por essa política de morte, que acontece não só devido ao policial que está na ponta”.
Lideranças brancas muitas vezes se perguntam: o que podemos fazer como antirracistas? Manifeste-se, do lugar onde está; da sua corporação industrial, financeira, da universidade, do Parlamento, da sua entidade de direitos humanos ou ambiental. Manifeste publicamente sua indignação contra a violência e a paralisação do Estado, não só no período em que os crimes ocorrem, mas acompanhe o processo para evitar os recorrentes arquivamentos.
Não podem lutar sós, as Mães de Maio, do Acari, de Cabula, do Jacarezinho, de Guarujá, de Santos, do movimento “Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar” e tantos outros. Todos os crimes têm de ser investigados e punidos contra a população civil e contra os agentes de Estado.
É preciso acreditar no Bem Viver, para poder construir uma sociedade na qual a relação com a natureza e com os diferentes grupos populacionais seja humanizada, solidária e cooperativa e em que políticas públicas de segurança incorporem ações que podem efetivamente mudar a situação de violência no Brasil, quais sejam a garantia de acesso aos direitos fundamentais, de educação qualificada, emprego, renda e moradia para todos os brasileiros.