Chimurenga – a reinvenção da mídia africana

Em entrevista ao Projeto Afreaka, Graeme Arendse, diretor de arte de uma das revistas mais inovadoras da África do Sul, explica as vertentes políticas e culturais da publicação

Por Flora Pereira e Natan

Outras Palavras passa a publicar uma seleção dos textos produzidos pela jornalista Flora Pereira da Silva e o designer Natan de Aquino Giuliano para o Projeto Afreaka.

O objetivo do projeto é retratar o continente empregando as ferramentas apuradas do jornalismo — sem preconceito, superficialidade ou sensacionalismo. Fugindo do estigma da miséria – super-explorado nos noticiários –, Afreaka procura entender as tendências culturais da África e captar suas influências em todo o mundo.

Depois de conseguirem financiamento colaborativo (“crowdfunding”) pelo site Catarse, Flora e Natan saíram em sua jornada, no final de agosto. Começaram por Johanesburgo, na África do Sul. Visitarão oito países. Estão agora na Namíbia.

Desde o início, é possível acompanhar pelo Facebook e pelo site passo a passo da viagem e conhecer com eles cada pedaço cool e descolado que vão encontrando pelo caminho: música, arte, arquitetura, pessoas, projetos sociais, moda, cultura jovem, tradições etc. “O desafio é traduzir em reportagens e ilustrações a alma e o axé do continente africano”.

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O que é a Chimurenga?
Em 2002, Antone, o fundador da revista, e seus amigos trabalhavam em jornais e outros meio da mídia e para eles nenhum veículo representava o que eles estavam pensando. Os jornais eram clichês e não estavam realmente falando de uma África do sul ou África como entidade intelectual. Mesmo que estivesse sendo escrito daqui, era como se alguém estivesse vindo com o olhar de fora. (A Chimurenga) foi uma reação ao que estavam vendo acontecer naquele período. Eles começaram a questionar o porquê não existir um espaço para as pessoas daqui, escrevendo sobre aqui sob uma perspectiva intelectual. Assim decidiram montar uma revista: ‘Chimurenga – Música é a arma’. Era para ser só uma edição, mas a revista se esgotou em dois segundos. Começamos soltando quatro revistas por ano, mas com a popularidade, o tamanho da revista cresceu e passamos para duas edições anuais, mais densas. A última Chimurenga, que contém mais de 300 páginas, levou um ano e meio para ser produzida. Nos últimos 10 anos, o a revista acabou se estendendo e criamos outros projetos como a Rádio Espacial Pan-africana e a Biblioteca Online, um arquivo de todos os jornais e artigos que de alguma maneira nos influenciaram. Chimurenga é a reinvenção da linguagem e do seu uso.

E quais são esses clichês da mídia tradicional na África do Sul?
Estamos falando em termos de representação: como os negros sul-africanos eram representados nos jornais. Ainda era (e é) um legado do que aconteceu no passado, muito segregado. Um exemplo é a distribuição das maiores revistas do país, que até hoje é propriedade exclusiva de brancos – eles decidem onde as revistas vão ser vendidas – toda a logística etc. e por causa disso, é raro encontrar pessoas negras nas capas. E isso porque já faz quase 20 anos desde o fim do apartheid. Ainda existe a ‘não representação’ da maioria da população do país. Esses continuam a aparecer como os pobres, marginalizados, vítimas. O desafio da Chimurenga é apresentar o que está aqui e ninguém está falando. É mostrar essas vozes.

A revista tem diferentes formatos?
O formato muda com a edição. A última tem o formato de um jornal. Também temos duas séries de Chimurenganyana (nyana = pequena), que são edições de ‘singles stories’ que foram publicadas anteriormente. Na Chimurenga, o formato, o design gráfico e as fotos são tão importantes quanto o conteúdo textual. Por isso sempre somos muito cuidadosos no que escolhemos. Paramos para pensar o que podem querer dizer e quais são as possíveis interpretações, o oposto do que fazem os jornais.

A última edição, que acaba de ser lançada, tem o formato de um jornal e leva a data de 2008, você pode nos contar mais sobre o projeto?
É uma tentativa de inventar um novo jornal ou um novo jeito de pensar como ele pode ser produzido. E também é um modo de usar o próprio jornal como máquina do tempo. As pessoas são sempre bombardeadas de notícias, sem uma chance de realmente parar e digerir os assuntos que estão ali, e que, algumas vezes, são muito pesados e precisam ser entendidos. As ideias são apenas jogadas e não apresentadas para uma possível discussão. Então usamos essa edição como máquina do tempo para voltar a um período particular e produzimos o que nós gostaríamos que os jornais tivessem produzido, e como gostaríamos que eles tivessem discutido esse assunto na época.

E qual é esse período? O que estava acontecendo?
O período escolhido foi a semana de 18 a 24 de maio de 2008. Foi a ápice dos ataques xenofóbicos na África do Sul. E a mídia tratou tudo com muito sensacionalismo na época. Então nós olhamos para os ataques e tentamos entender quais são as entrelinhas, o que as pessoas não estão falando ou não falaram, o que estava acontecendo no dia a dia da vida dessas pessoas que culminou nesse ponto, na eminência da violência. E daí, partimos para uma discussão do que mais estava se desenrolando nesse período no resto do mundo. O assunto da xenofobia foi nosso ponto de partida.

Qual é o objetivo da Chimurenga?
Acho que desafiar o modo que as pessoas pensam, como se veem e como olham para o mundo ao redor delas. Na verdade, é muito vasto o que são nossos objetivos e metas. Eu acho que a resposta está mais nas pessoas que leem. Se você pegar um grupo de pessoas, cada um vai dar um motivo diferente de porque e para que lê a revista. Quando estamos fazendo a Chimurenga, nunca pensamos em uma audiência específica. Acho que cabe ao leitor interpretar o conteúdo e refletir sobre isso.

Você acredita que existe uma linha de pensamento comum entre os países africanos ou África como um todo é apenas um estereótipo?
Ao mesmo tempo em que nos identificamos como africanos, não nos fechamos a essa ideia de que existe uma voz africana. Tem muitas vozes diferentes vindo desse continente. E eu acho que nossa tentativa é alcançar a humanidade dessas vozes e não a africanidade delas. Chamamos de africanos por sua geografia e não pela mente das pessoas. A África é uma multidão. São vários níveis de pensamentos, vários níveis de ideias e de abordagem.

Não existe essa linha de conexão em nenhum momento?
Existe de maneira mais pontual. Por exemplo, nós do Chimurenga nos conectamos com o pessoal de Douala, no Camarões, porque dividimos um pensamento em comum e compartilhamos certas ideias e modos de enxergar as coisas. Nos interessamos pelo modo que eles abordam algumas coisas e eles se interessam pelo nosso. Esse tipo de link acontece no nível continental, mas são conexões criadas. Não existe uma voz com margens africanas, mas existem pessoas que compartilham ideias e abordagens.

O que quer dizer Chimurenga?
É uma palavra de origem shona, língua falada predominantemente no Zimbábue. A palavra significa ‘luta’ e sua origem vem da história um homem chamado Murenga, que liderou a primeira revolta contra o colonialismo no país. ‘Chi’ quer dizer ‘no espírito de’, assim chimurenga significa ‘no espírito de Murenga’. A palavra passou a ser usada em todas as situações de combate a algo opressivo, principalmente nas lutas de independência, que ficaram elas mesmas conhecidas como as chimurengas.

 

Fonte: Outras palavras 

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