Combater a fome é nomear os ninguéns

ninguéns. Escrito assim mesmo. Em letras minúsculas. Para situar o tamanho e importância que se é destinada aos esfomeados. ninguéns, cujos apelidos são maiores e mais conhecidos do que os nomes. Lula não seria Lula se tivesse nascido na abundância da comida. Sim. Ter comida diante de quem não tem é abundante. Logo, ter como meta o combate à fome é ter coragem de dar nome a gente sem nome. Gente sem nome literalmente. Pois, falei de gente conhecida pelo apelido. Mas, vou mais longe. Gente que somente tem o apelido como nome. Gente sem registro de nascimento. Gente não gente para o Estado. Gente que chamamos de gente por um capricho dos olhos que orientam a nossa fala mas, não toca em nossos sentidos no sentido político de sentir. Tipo; ver e não enxergar. São estas as gentes que a política de combate à fome tem por Sul. Isso mesmo. Por sul. Porque quem produziu e se locupletou da fome nos disseram que devemos ter nortes. Se nortear por aqui ou por ali. Ter isso como norte e, Paulo Freire em sua pedagogia de Esperança, numa grandeza peculiar indagou e e asseverou que não nos cabe mais ter nortes. Precisamos de sul. E em ver de nos nortear devemos nos sulear-se. Sulear-se no globo terrestres é combater a fome e todas as sua vertentes. É nomear os não nomeados e desnomeados. Os, no caso do Brasil desnorteados e no caso do mundo dessuleados. Quem tem fome não tem destino, não tem projeto. Não tem vida. A fome é uma chaga que tira a dignidade das pessoas. A fome é a maior das perseguições e castigos que uma pessoa pode ter. A fome chega a superar todas as mazelas que o mundo produziu. Portanto, a sua superação é a nomeação daquelas pessoas perseguidas pelo modelo de desenvolvimento que cria a fome para aumentar a pobreza. Combatê-la é estar ao lado dos esfomeados. Mas, também estar contra as esfomeadores. Aos espalhadores da fome. Não se pode servir a dois Deus. Não se consegue estar ao lado de todo mundo. Há maldade no mundo e se há maldade no mundo devemos estar contra a quem as produz. A fome é uma das grandes maldades. A mais desumanizadora. Temos de estar contra a quem as produz. Ester contras para forjarmos registros de nascimentos a partir de pratos de comida, a partir de lápis e papéis para o aprendizado as escritas dos nomes. À cidadania conquistada que permitirá ter um nome. A tarefa de combater a fome é sagrada. Não se pode tergiversar. Não se pode vacilar. Também não se pode tutelar. Se acesso à educação é um segundo estágio o acesso ao emprego é um terceiro estágio. Elas não precisam de vir de forma evolucionista e a cada vez uma. Mas, a comida precisa de ser a prioridade zero. Precisa de o prato de comida chegar antes de se perguntar o nome. As pessoas precisam de força física para falar seus nomes ou para dizer por quais nomes desejam ser chamados. Combater a fome não é uma retórica. Combater a fome não se reduz e um discurso e não se encerra num programa. O indicador de avaliação da política de combate à fome é gente sem fome. É a efetividade que aponta que a política foi exitosa. Não é o dinheiro empregado na política somente, não são as áreas mobilizadas, não são os conselhos criados e nem os esforços governamentais. Todos são informantes como indicadores meios para onde se está caminhando. Mas, gente sem fome é a meta. Gente com fome não pensa. Não projeta. Não planeja. Gente com fome não é gente em seu sentido amplo. Não é ser humano. É um ser desumanizado. Desumanizado pelas maldades de quem come e deseja a sobra mesmo que seja para desperdiçar. A cada prato de comida há nomes novos que passarão para o registro de nascimento da vida verdadeira. A vida que merece ser chamada de vida.

Nomear gente é superar a pobreza, combater a fome, é desapelidar uma categoria social que os apelidos superam os nomes. Combater a fome é uma tarefa humanizadora, humanizante. Nomeadora. Façamos gentes. Gentes com nomes, sobrenomes, com comida e riso nos rostos. Gente sem a cara da fome. Gente com cara de gente, com jeito de gente, com nome de gente. Com comida de gente. Gente sem fome.

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Jocivaldo dos Anjos
24/01/2023

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