‘Dentro de cada um’, é a nova faixa do álbum ‘Deus é mulher’ de Elza Soares

Depois de encarnar “A mulher do fim do mundo” — nome do álbum de 2015 que rendeu prêmios e uma turnê que rodou Brasil e o mundo com shows arrebatadores —, Elza Soares renasce como deusa, anunciando não o fim, mas um novo começo, pós-apocalipse. Com lançamento previsto para abril, pela Deck, “Deus é mulher” traz o núcleo do time que trabalhou no disco anterior. Aqui, O GLOBO apresenta com exclusividade a letra de “Dentro de cada um”. Nela, a contundência que dá o tom do álbum.

no O Globo

Dentro de Cada um

Luciano mello e pedro loureira
A mulher de dentro de cada um não quer mais silêncio
A mulher de dentro de mim cansou de pretexto
A mulher de dentro de casa fugiu do seu texto
E vai sair
de dentro de cada um
A mulher vai sair
E vai sair
de dentro de quem for
A mulher é você
de dentro da cara a tapa de quem já levou porrada na vida
de dentro da mala do cara que te esquartejou te encheu de ferida
daquela menina acuada que tanto sofreu e morreu sem guarida
daquele menino magoado que não alcançou a porta da saída
E vai sair
de dentro de cada um
A mulher vai sair
E vai sair
de dentro de quem for
A mulher é você
A mulher de dentro de cada um não quer mais incesto
A mulher de dentro de mim já cansou desse tempo
A mulher de dentro da jaula prendeu seu carrasco
E vai sair
de dentro de cada um
A mulher vai sair
E vai sair
de dentro de quem for
A mulher é você
de dentro do carro do moço que te maltratou e pensou que era fácil
de dentro da ala das loucas vendendo saúde a troco de nada
daquela mocinha suada que vendeu o corpo pra ter outra chance
daquele mocinho matado jogado num canto por ser diferente
E vai sair
de dentro de cada um
A mulher vai sair
E vai sair
de dentro de quem for
A mulher é você
Sou eu
A mulher
Sou eu
Sou eu
A mulher
Sou eu

 

A contundência de “Deus é mulher” é irmã daquela presente em “A mulher do fim do mundo”. Há diferenças marcantes, porém, como explica a própria cantora:

— “A mulher do fim do mundo” é muito denso. Deus é mulher tá mais claro, mais aberto. Mas tem muitas respostas, tem letras fortíssimas. Vou continuar falando do racismo, da mulher — conta Elza, no estúdio da Deck, onde gravava as vozes.

Como o álbum anterior, “Deus é mulher” — título tirado de um verso da canção “Deus há de ser”, de Pedro Luís — dialoga diretamente com o momento político e social do país. Em 2015, o Brasil se encontrava convulsionado por pensamentos polarizados e pela onda de reacionarismo que provocava o ar sufocante percebido no álbum. Agora, Elza mira na superação desse momento. Mantém a firmeza da afirmação feminina, mas em vez de ela se mostrar na revolta da mulher que sofre violência do marido em “Maria da Vila Matilde”, ela aparece na mulher que declara seu desejo em “Eu quero comer você” (“Mas eu não quero dizer/ Você precisa saber/ Ler”, diz o frevo de Alice Coutinho e Romulo Fróes).

Além disso, o disco parece apostar mais em costuras do que em rompimentos. “Pra que negar que o ódio é que te abala?/ O meu país é meu lugar de fala”, canta Elza em “O que se cala”, de Douglas Germano. “Língua solta”, outra de Alice e Romulo, traz versos que se afinam no mesmo espírito: “É dia de falar e de ouvir também”.

Além dos compositores citados, o disco inclui músicas de Tulipa Ruiz, Rodrigo Campos, Kiko Dinucci, Edgar, Mariá Portugal, Clima e Pedro Luís — que assina “Deus há de ser”, de onde foi extraído o verso que batiza o álbum. As bases foram gravadas em São Paulo, no estúdio Red Bull, sob o comando do produtor musical Guilherme Kastrup e do diretor artístico Romulo Fróes. Eles reuniram músicos como Marcelo Cabral (baixo e bass synth), Rodrigo Campos (cavaquinho e guitarra), Kiko Dinucci (guitarra, sintetizador e sampler), Mariá Portugal (bateria, percussão e MPC) e Maria Beraldo (clarinete e clarone).

 

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