A pobreza e miséria, crescem a cada dia, mesmo diante de tantos direitos, programas e leis existentes, ainda não acessíveis ou possíveis de romperem os ciclos das vulnerabilidades. Negar, não vai mudar a existência delas, pois são essas e outras expressões da Questão Social que estão ampliadas, permanecem estruturadas, atingindo inúmeras pessoas. Por exemplo, aquelas que são submetidas ao trabalho infantil doméstico ou até trabalho escravo, encontram-se em situações de vulnerabilidades socioeconômicas, educacionais, culturais e sociais.
Entre muitas páginas escritas no diário, aqui cito um recorte de alguns anos atrás, em que eu era a trabalhadora doméstica: infantil /adolescente. Chamo de o desaforo da patroa, pois ela estava questionando – me, se não aprendi nada em casa ou se aprendi errado com a minha mãe, ela estava desvalorizando nossas práticas de cozinhar, algo que fazemos com muito amor, mais que fazíamos com o que nos eram acessíveis.
Em nossa casa, as prioridades eram sempre a alimentação básica, medicação e os materiais da escola. Sobrevivemos e sou muito grata pela quebra da ideia limitante passada entre gerações, por quem não aceita que podemos ser e fazer mais, ou não aceitam nossa intelectualidade. A cada dia vamos em frente, mostramos que não somos a imagem do que projetam nos preconceitos, racismos e discriminações. É um desafio constante para as nossas intervenções, o exercício da justiça social, equidade racial e de gênero.
Em nossas rodas de conversas, nas visitinhas, nas paradinhas para o café, no momento da cervejinha, ou em outras oportunidades, os papos e atos apresentam sempre os resquícios, impactos e informações de violências que vivenciamos. Não seremos omissas, vamos somar forças. Não deixaremos de nos manter firmes, cobrando e intervindo por respeito, pelas políticas públicas e sociais que rompam com as extremas situações de pobreza e miséria, obrigatoriedades essas do Estado. Estimular as denúncias, é importante, pois elas ajudam. Entretanto é mais um desafio, visto que ocorrem experiências de despreparo ou violência institucional que nos desestimulam.
Tendo em consideração que a comunicação e a luta política e organizada influência sim oportunidades e possibilidades, materializando nossas estratégias de resistência diante da escravidão e racismo, ou seja contra as violências, violações e vulnerabilidades. É importante que possamos continuar a escutar, observar e olhar nos olhos e se dispor a compreender, acolher as mulheres, pois muitas por medos ficam silenciadas, sem rumo para tratar de tantas explorações nas casas e nos trabalhos. Criar essa relação de cuidados entre nós é nos manter vivas. Incentivar a não desistir é um ato de sobrevivência dos nossos povos. Usar a rebeldia e conhecimento com orgulho das nossas identidades e ancestralidades, é reconhecer nas nossas trajetórias, que trazemos em nossas diferenças, as potencialidades e conexões na fé e união pelo Bem Viver.
A sabedoria e intelectualidade cultural é muito importante, pois usamos sempre nossas criatividades e alternativas de trabalhos nos territórios, nas comunidades e nas periferias e bairros reduzindo a fome, melhorando a saúde. Cultivamos e partilhamos com a terra, as plantas e fortalecemos a autoproteção. Como também nos destacamos cientificamente.
As mulheres estão em um processo de descolonização da mente e falar de uma liberdade de pensamentos e olhares sobre elas é necessário sim, para estruturar a base de como vamos agir juntas. Sorrir, Falar, Dançar, Gozar e Gritar as dores e alegrias é para todas, só que muitas delas não podem viver ou expressar com facilidade, pois lhes foram tirados essa convicção de que lhes é possível, não lhes é permitido por muitos contextos de violências.
Diante de não estarmos em tempos de abraçar, vamos olhar mais, sorrir, falar, gritar e sim falar de prazeres que temos direitos. Partilhar emoções e tecer novas redes de autocuidado de nós por nós. Não nos incomodamos se pensam que estamos loucas, isso é elogio entre tantas outras coisinhas que não nos representam. Expressem, respirem, os ataques a nossa Identidade, Dignidade e Liberdade ocorrem todos os dias, precisamos seguir.
Sim, peçamos licença e proteção aos ancestrais e antepassados, e nos acolhamos, é de nós para nós, um cuidado necessário que pode aliviar e curar as dores, nos motivar. Somos o passado, presente e futuro, de nossos povos negros, que mesmo tombando, mantem-se presentes nas lutas. Conectadas no uso dos conhecimentos de nossos ancestrais, nossas Espiritualidades cada vez mais fluirão se nos permitirmos. Elas existem independente de quem crer e aceita, mesmo que você não veja, sim sempre existiu e vai existir, e faz parte de nossas raízes, respeitemos. Transformar vidas, assumindo se com saberes não somente nas falas, mas nas próprias atitudes. Dancem, sorriam, criem e questionem, quando sentir vontade chorem, depois se reanimem e continuem. Caminhando, não se calem, gritem as dores e alegrias. Confiamos e nos permitamos viver em equilíbrio e respeito, presentes nos nossos territórios. Pensamos e desejamos com o coração, com amor o melhor para os nossos territórios: terras, natureza, mentes e corpos.
Brígida Rocha dos Santos. Assistente Social. Agente da Comissão Pastoral da Terra e sua Campanha Nacional de Olho Aberto para Não Virar Escravo e da Coletiva Negras que Movem disponível no Instagram e Portal Geledés, Liderança Feminina Negra Apoiada pelo Programa Marielle Franco do Fundo Baobá.
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