Estilhaçar as máscaras do Silenciamento

“nossa fala estilhaça a máscara do silêncio”

(Conceição Evaristo, 2017)

De que maneira a Máscara de Flandres se reinventa nos dias de hoje?

Esse instrumento de subjugação, dentre outros objetivos, visava no contexto da escravização retirar principalmente o direito à fala, colocar no lugar de mudez e de pânico, alimentando uma relação cíclica entre silenciamento e tortura por meio de diferentes estratégias e táticas, por vezes sutis, de sujeição. A boca, portanto, a voz é um dos principais alvos.

A máscara simboliza cenas dessa sujeição-colonial e se materializa ganhando outros nomes nas relações e nos modos como as mesmas correspondem e são estruturadas no mundo moderno. Em outras palavras, envolve o sadismo, a dominação, o poder dominante, o narcisismo, o brutalismo e suas formas cruéis de exilar a subjetividade e a vida dos chamados “Outros”.

A boca além de simbolizar a fala, a representação, a voz, por meio da qual criamos formas de re-existências e possibilidades de se afirmar sujeito de direitos negados ao longo do tempo, se torna o principal órgão de opressão, o qual, querem e precisam controlar, logo, o órgão que historicamente tem sido severamente censurado. É necessário lembrar que essa lógica se reinventa a todo instante. E mais que isso, é preciso nomeá-la.

A subjetividade branca no jogo desigual pela manutenção do poder se vê ameaçada e mantém a lógica colonial por meio do autoritarismo e outras formas possíveis. Esse é, inclusive, o processo de negação, o qual foi colocado o projeto de violência às pessoas colonizadas, escravizadas e subalternizadas. O processo de negação, que recusa reconhecer em si o mecanismo de dominação, trata-se da defesa do ego comumente alimentado pelo narcisismo. Como Grada Kilomba diz, o colono tem repulsa da linguagem emitida pelas pessoas negras.

Que possamos fazer das possibilidades um espaço garantido pela língua e suas multiplicidades – ato em sua dimensão política de manutenção da vida! Um espaço da abertura, do imprevisível, da potência e do afeto.

Referências Bibliográficas:

EVARISTO, Conceição. Conceição Evaristo: Minha escrita é contaminada pela condição de mulher negra. Nexo Jornal, 26 maio 2017. Acesse em: https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2017/05/26/Concei%C3%A7%C3%A3o-Evaristo-%E2%80%98minha-escrita-%C3%A9-contaminada-pela-condi%C3%A7%C3%A3o-de-mulher-negra%E2%80%99

FANON, Frantz. Pele negra máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.

GLISSANT, Édouard. O pensamento do Tremor: La CohéeduLamentin. Tradução de Enilce Albergaria Rocha e Lucy Magalhães. Juiz de Fora: Gallimard, 2014.

KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Editora Cobogó, 2020.

MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Marta Lança. 2a ed. Lisboa: Antígona, 2014.

NOGUEIRA, Isildinha Baptista. A cor do inconsciente: significações do corpo negro. 

Editora Perspectiva S/A, 2021.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

+ sobre o tema

Escondam, escondam a cara do povo brasileiro! A branquitude está incomodada

Este é um texto em resposta à colunista Anna...

O ser malungo e as parcerias para além do tumbeiro

Em poucas palavras, deixo aqui algumas reflexões sobre a...

Nasceu

Ela nasceu assim, atrasada, recatada sem ter hora pra...

para lembrar

Revista Cotidiana

Oi, tudo bem? Deixa eu me apresentar Sou Carolina e...

2020 foi pesado: as eleições nos Estados Unidos da América e o Futuro*

*Tradução: Jaqueline Lima Santos Finalmente, confirmou-se Joseph R. Biden Jr....

Põe teu preconceito no armário que quero passar com meu amor

Estava nesses dias do final de semana às voltas...

A ambiguidade dos corpos de nossos iguais: do desprezo à solidariedade

Tenho pensado em alguns episódios que vivenciei e testemunhei...

As cartas atemporais de Mukanda Tiodora, e o retrabalhar artístico de Marcelo D’Salete sobre o Brasil que um dia ainda será!

Somos um país caracterizado pelo seu não apreço em preservar suas memórias, especialmente quando estas não se coadunam ao ideário hegemônico elitista e conservador,...

SANKOFA: A África que te habita

INTRODUÇÃO: Sankofa, a série de dez capítulos que está disponível na Netflix é para mim poesia e aventura. Trata-se de uma expedição aos pontos de...

Do tabuleiro de acarajé para a rede de salões de beleza

No Brasil, quando comparada com a população branca, a negra é inegavelmente mais pobre e neste grupo, as mulheres negras são mais pobres ainda....
-+=