EUA: um dos países mais violentos para mulheres visitarem no mundo

Uma em cada quatro mulheres dos EUA sofre de violência doméstica em algum momento de sua vida

Gabby Petito, Christy Giles e Hilda Cabrales — três jovens mulheres talentosas que ganharam as notícias não por seus trabalhos e aspirações, mas por seus assassinatos. Enquanto a primeira foi morta pelo namorado, em agosto deste ano, num caso que repercutiu mundo afora, as outras duas são pouco conhecidas fora de Los Angeles, onde o crime aconteceu.

Christy e Hilda foram deixadas, desacordadas, na porta de hospitais na maior cidade da Califórnia no dia 17 de novembro. Ambas foram drogadas, e os envolvidos no episódio ainda não foram identificados. Quando chegou ao atendimento médico, Christy já estava sem vida, mas sua amiga Hilda, abandonada na porta de um hospital duas horas depois, passou mais de 10 dias em coma até ser declarada morta.

Violência contra mulheres é uma epidemia mundial, e os Estados Unidos não estão imunes a isso. Aliás, muito pelo contrário: de acordo com a ONG National Coalition Against Domestic Violence, uma em cada quatro mulheres em território estadunidense sofre algum tipo de violência doméstica, enquanto uma em cada seis sofre violência sexual em algum momento de sua vida. 

O assunto é tão preocupante no país que a Travel Industry Association elaborou uma lista com os países mais perigosos para mulheres visitarem. O Brasil aparece em segundo, atrás apenas da África do Sul. Os Estados Unidos ocupam a 19° posição.

Quem não fica surpresa é a professora de enfermagem Ann Burgess, cujo trabalho acadêmico se concentrou na análise da violência contra mulheres. “Eu acho que há muita misoginia acontecendo nos Estados Unidos. Os homens precisam sentir que são dominantes, precisam se sentir no controle. Quando eles não se sentem assim, eles descontam nas mulheres”, relatou à reportagem do Brasil de Fato.

É difícil encontrar uma explicação, porém, para o fato de que homicídio é a terceira causa mortis de jovens entre 20 e 24 anos no país, o que corresponde a 7,5% de todas as mortes nesta faixa etária. O quadro fica ainda mais grave se aplicarmos um recorte racial — homicídio é a causa mortis de 15,7% das jovens negras entre 20 e 24 anos. 

Burgess acredita que é um desserviço concentrar esforços apenas em uma população, como se as mulheres vítimas de violência estivessem mais ou menos seguras em uma determinada faixa etária.

“Estou agora investigando casos de estupro em asilos, e apenas nos documentos que chegaram às minhas mãos são mais de 100 vítimas. Uma ONG australiana entrou em contato, porque identificaram lá o mesmo problema”, e completa, “o agressor não está preocupado com a idade, ele atraca mulheres que possam beneficiá-lo com sua vulnerabilidade, seja ela qual for.” 

Para enfrentar a violência, a legislação dos EUA tem buscado novas ferramentas. Desde 2019, por exemplo, pessoas condenadas por violência doméstica estão proibidas de ter posse de armas de fogo. 

“Acho que qualquer endurecimento das leis seria benéfico, claro, mas a minha experiência mostra que, aqui nos Estados Unidos, a maior parte das agressões domésticas acontece por estrangulamento, o que é imensamente difícil de se notar, uma vez que essa violência quase nunca deixa marcas profundas e são poucas as mulheres que denunciam os parceiros”, completa Burgess.

De acordo com a professora, as motivações para o silenciamento feminino nos EUA são as mesmas de outros países: vergonha, dependência financeira ou emocional e falta de credibilidade. “No caso dos asilos, por exemplo, muitas das senhoras abusadas foram tratadas como dementes, o que não é o caso”, explica.

A solução deste problema não é simples porque não se tratam de casos pontuais — “a posição dominante masculina está arraigada na nossa cultura, e os homens não vão abrir mão disso com facilidade”, comenta a enfermeira. 

Noticiar os tantos casos como os de Petito, Cabrales e Giles, segundo Burgess, seria um começo. “Precisamos que a mídia divulgue essas notícias, para que mais mulheres tenham coragem de denunciar, de forma que tenhamos mais informações e ajustemos as estatísticas. Temos que perder o medo e a vergonha de falar, até porque, para muitas de nós, é um caso de vida ou morte”. 

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