sabe aquela imagem do neandertal, tacape na mão, arrastando uma mulher pelos cabelos e levando-a para uma caverna escura?esquece essa imagem, cara.
Por Lelê Teles Enviado para o Portal Geledés
de onde você acha que ela veio? como você acha que ela foi construída, por que?
em verdade lhe digo, amiguinho, ela foi implantada na sua mente, e é uma fraude.
essa imagem não foi extraída de nenhuma caverna, não há uma única pintura rupestre que faça alusão a ela, nenhum arqueólogo endossa essa infâmia, fósseis não exibem vestígios dessa violência, a antropologia a rechaça, a psicologia a repudia, ela não faz o menor sentido.
essa imagem só existe na sua mente, cara. se liga.
e ela foi implantada como mais um fetiche criado pela cultura do estupro.
sim, man, essa imagem prova que a cultura do estupro é uma realidade e que é, também, uma construção sofisticada.
a imagem do estupro neandertal – reproduzida amiúde como uma piada – é uma tentativa de legitimação do domínio violento e arbitrário do macho branco: ela busca se escorar num falso determinismo biológico.
“as coisas sempre foram assim, já era assim nas cavernas.” a semiologia e a ideologia caminham de mãos dadas, a mídia se encarrega de formatar essa concepção no Grande Simulacro do qual nos falava Baudrillard.
tanto é que todos sabemos do que se trata, a cena retrata um estupro. mas, malandramente, tudo para na metade, todos sabemos como aquilo vai terminar, mas não vemos o seu desfecho.
é uma forma sofisticada de criar um significado sem significante. o que Saussure configuraria como uma aberração linguística.
a gente naturaliza o estupro fechando os olhos para ele, ou fingindo que se trata de outra coisa.
por meio dessas ilustrações, nem tão sutis, ensinamos às crianças, logo cedo, que o homem domina a mulher e a submete sexualmente: “as coisas sempre foram assim, já era assim nas cavernas.”
é um processo de endoculturação.
estou aqui a traduzir a cultura como um conceito antropológico, como bem o fez Roque Laraia, com quem eu tive a honra de estudar.
e agora veja mais essa:
como o domínio do macho se faz presente em todo o mundo dito civilizado, parece que a submissão da mulher se encaixa na categoria de arquétipo junguiana.
Deus é ele. Odim, é ele. Zeus é ele… quem cria o homem é um ser masculino.
e cria primeiro o homem e só depois a mulher.
e o substantivo homem – veja mais uma fraude linguística – é um caso bizarro de um espécime representando toda a espécie, porque quando digo o homem, posso estar a dizer a humanidade, mulheres inclusas.
é uma supremacia forçada e ela se configura com a única pretensão de manter o status quo e o privilégio do macho.
pra não escrever mais um textão, fico por aqui, na próxima crônica me aproximarei mais da configuração religiosa, igualmente legitimadora da cultura do estupro; e em seguida farei uma análise linguística.
o que pretendo com isso?
desmachificar.
o processo de enduculturação é constante, é um moto perpétuo, e ele não é linear, pode ser quebrado, alterado, reconfigurado.
estou a convidar os homens a repensar o seu machismo, o nosso machismo.
é bom para todos nós, cara. você deixa de ser um joguete, uma mera marionete acéfala nas mãos dos machos brancos, e toma conta do seu destino, do destino da sua cultura.
esse pequeno privilégio que nos dão para ratificarmos a cultura do patriarcado, nos traz mais ônus que bônus.
respeita as mina, cara!
palavra da salvação.