Joacine: “Eu nasci para estar ali. Vou continuar ali. Não me imagino em mais sítio nenhum”

Numa marcha em apoio a Cláudia Simões, a deputada criticou a postura da Esquerda na luta contra o racismo e respondeu à retirada de confiança política do Livre. “Eu adoro estar aqui porque a minha gaguez desaparece, mas enquanto a minha gaguez não desaparecer na Assembleia da República não saio de lá também”, atirou.

Por Cátia Andrea Costa, do Sábado Portugal

Joacine Katar Moreira durante a marcha  (Foto: MANUEL DE ALMEIDA / LUSA)

A deputada Joacine Katar Moreira participou, este sábado, numa marcha para pedir justiça para Cláudia Simões, a mulher que disse ter sido agredida pela polícia na Amadora. Cerca de três centenas de pessoas desceram a Avenida da Liberdade, em Lisboa, e Joacine não foi a única política presente: alguns deputados deslocaram-se ao local de partida da manifestação para demonstrar a sua solidariedade, nomeadamente Beatriz Dias (Bloco de Esquerda) e Rita Rato (PCP).

Em declarações à Lusa, a deputada eleita pelo Livre defendeu que a luta antifascista e racista “deve ser de toda a sociedade civil e não apenas dos afrodescendentes”. Mas num discurso aos manifestantes na zona do Rossio, cujo vídeo foi partilhado na sua página na rede social Facebook, foi mais contundente, criticando a Esquerda por não se definir como antirracista. Sem nunca se referir ao partido, deixou várias críticas ao Livre, que lhe retirou a confiança política depois de várias polémicas, garantindo que só lhe interessa quem votou nela.

Para Joacine, os casos que tem envolvido a sua pessoa são sinais que são dados a todos os que não têm poder e que dizem “tu não serves”. “Mas isto não é democracia, não. A democracia nos diz que cada um e cada uma é importante nesta sociedade. E que ninguém nos retire essa importância”, atirou perante uma grande moldura de pessoas que a ouviam.

Joacine continuou, então, num tom forte, fluído e crítico em que deixou muito clara a sua postura face aos últimos acontecimentos. “Eu não vou permitir que ninguém me diga que não estou onde devia estar. Eu nasci para estar ali. Vou continuar ali. Não me imagino em mais sitio nenhum hoje, lamento”, atirou, para gáudio dos presentes. “Temos que garantir que nenhum racista se sinta demasiado à vontade. [O 25 de abril] fez-se para que os fascistas ficassem inquietos, calados, desconfortáveis. Então, e agora é normal fascistas falarem? É normal os fascistas mandaram-me para a minha terra? É normal este ódio e esta desinformação? Este racismo institucional?”, questinou, enquanto os presentes iam respondendo “não”.

“Se a esquerda reclama ser antifascista, ela tem que reclamar ser antirracista. A Cláudia Simões é um exemplo de como não podemos ficar sossegados e sossegadas”, alertou, antes de arrancar para um final de discurso que deixou quem a escutava em êxtase.”Eu adoro estar aqui porque a minha gaguez desaparece, mas enquanto a minha gaguez não desaparecer na Assembleia da República não saio de lá também. Vamos continuar a trabalhar com a confiança de uns e sem a confiança de outros. A mim o que me interessa é quem confia em mim, quem votou em mim, quem torce por mim. A mim interessa-me defender aquilo pelo qual fui eleita e para honrar o compromisso pelo qual estou cá”, finalizou.

A retirada de confiança política à deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, foi aprovada com 83% de votos favoráveis, numa reunião da Assembleia do partido.

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