“Mulher no volante, perigo constante”. Você já refletiu sobre quantas vezes mulheres ouvem essa frase machista — tanto em tom de “brincadeira” quanto com a entonação de um xingamento — e sobre como elas se sentem? A reflexão é válida não apenas por ser uma rima preconceituosa disfarçada de ditado popular, mas porque está longe de ser verdade.
Os dados mais recentes divulgados pela Seguradora Líder, responsável por administrar o seguro obrigatório no Brasil (Dpvat), dão conta de que apenas 15% das indenizações pagas a motoristas por acidentes de trânsito são destinadas a mulheres. A diferença é significativa, especialmente considerando que o número de motoristas mulheres nas ruas do Brasil difere cada vez menos do número de motoristas homens. Segundo o último levantamento do Detran SP, 40% das 24 milhões de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) registradas no Estado de São Paulo pertencem a mulheres. Além disso, elas também amam carros: cerca de 70% das decisões de compra são tomadas por mulheres.
Mesmo assim, elas seguem enfrentando o preconceito no trânsito. “Já escutei muitas piadas machistas”, conta a técnica em enfermagem aposentada Helena Cristina dos Santos Bastos, de 63 anos. Ela tirou sua carteira aos 40. “Eu ia ao supermercado e carregava tudo no ombro e na cabeça. Precisava pedir favor aos vizinhos para levar minhas meninas ao médico”, conta. Ela considera essa uma conquista ímpar. “Pra mim, é sinônimo de independência e liberdade. Eu adoro dirigir, eu quero e eu posso!”.
Cris acredita que essa postura veio de um legado da sua mãe, que ela menciona como uma mulher à frente de seu tempo. “Minha mãe era uma mulher negra, neta de escravos, trabalhando em uma oficina de locomotiva de trem de ferro e lutando para criar dez filhos. Tinha muito orgulho de ser habilitada e de ter conseguido comprar o próprio carro. Ela sempre foi meu exemplo”, conta. “Ela me ensinou que nós, mulheres, temos que buscar nosso espaço e conquistar nossos sonhos”.
Para conseguir tirar sua CNH, Cris começou a fazer faxinas para pagar a autoescola aos poucos, sem ninguém saber. Ao longo de mais de duas décadas habilitada, não teve nenhuma multa e nenhum acidente. Mãe de três mulheres, ela faz questão de transmitir o mesmo ensinamento que lhe foi passado: a mulher pode tudo, inclusive dirigir, se essa for sua vontade. “Qual é a diferença? O fato de eu ser mulher? Tenho a mesma capacidade de ser uma boa motorista”, reflete. “Lugar de mulher também é atrás do volante, se ela quiser”, emenda.
“Quando estou com a cabeça cheia, pego o carro e saio por aí”
Assim como Cris, que ama dirigir para espairecer e nem liga para o caos do trânsito de Belo Horizonte (MG), onde mora, a assistente administrativa aposentada Esther Rose de Almeida Mendes, 56 anos, relata uma sensação semelhante em São Paulo (SP). “Eu me sinto poderosa dirigindo. Se estava ansiosa, fico tranquila”, conta. Ela considera estar atrás do volante seu grande prazer: “Quando estou com a cabeça cheia, pego o carro e saio por aí”.
Esther é apaixonada por automóveis e há alguns anos começou uma relação de amor com a marca Jeep, porque adora aventuras e a experiência off-road. “Eu me libertei depois de aposentar. Resolvi me presentear com um Jeep por tantos anos de luta, assumi meu cabelo cacheado e ‘fechei’ o braço esquerdo de tatuagens”, conta com orgulho.
Desde pequena ela sonhava (literalmente, sem o sentido metafórico!) que trabalhava em um lugar cheio de carros. Não deu outra: passou boa parte da vida atuando profissionalmente em concessionárias. “Há um preconceito grande, as pessoas acham que mulher não entende de carro. Já fui vendedora de automóveis e cheguei a ouvir que não tinha a ‘aparência certa’ para a função, por ser mulher e por ser negra”, relata. Situações parecidas já aconteceram no trânsito, com frases como “seu lugar é na cozinha”, que ela escutou.
Esther conta que começou a gostar do universo das quatro rodas por influência do “avô postiço”, o patrão de sua mãe, Lídia, que trabalhava em casa de família. “A gente não tinha nem onde morar, quanto mais ter carro, e esse era meu sonho. Consegui realizar: já tive mais de vinte!”. Foi ela quem incentivou o marido a se interessar por carros, e diz que sempre se incomoda quando, em concessionárias, vendedores vão falar direto com ele achando que ela não entende de automóveis. “Ele diz: ‘é ela que entende, ela que manda’”, narra.
“Um passageiro me disse que o volante certo para mim era a tampa da panela”
Quem também ama carros desde pequena é Viviane Andrea de Carpini, que tem 40 anos e é a primeira motorista de aplicativo de mobilidade em Belo Horizonte – na função há quatro anos. “O meu avô era lanterneiro de ônibus e gostava de comprar carros velhos para reformar na garagem de casa. Eu me lembro direitinho dos cheiros, de polir peças para ele”, rememora. A família do pai também tinha loja de autopeças. Viviane tem dois irmãos homens, mas ela foi a única a herdar essa paixão de gerações.
Ela conta que muitos passageiros olham torto quando percebem que foi uma motorista mulher quem atendeu ao chamado. Um dos casos mais explícitos de machismo que ela já sofreu aconteceu ao final de uma corrida. “Depois de todo cuidado e dedicação, tive que ouvir do passageiro que o volante que eu estava conduzindo era errado, o correto seria uma tampa de panela. Essa é uma situação ridícula”. Ainda mais levando em consideração que Viviane coleciona elogios por parte dos passageiros nas quase oito mil viagens que já realizou: “Dizem que sou excelente motorista, atenciosa e que prezo por uma direção segura”, conta.
A motorista, que já viveu outras situações desrespeitosas na função, já precisou colocar um passageiro para fora. “Esse rapaz perguntou quanto eu ganharia dirigindo naquele dia. Eu respondi e ele disse que eu poderia ganhar muito mais se terminasse a noite com ele e com os amigos”, relembra, ressaltando o absurdo do que viveu. “Fiquei pensando em todas as mulheres que passam por coisas assim”.
“Eu sonhava em fazer 18 anos para tirar carteira e hoje trabalho dirigindo”
“Dirigir, pra mim, é liberdade. Eu amo dirigir!”, diz Mariana Magalhães Ribeiro, 31 anos, que é motorista de testes da FCA. Ela sente que realizou um sonho ao fazer da paixão de infância sua atividade profissional. Grande parte desse sentimento nasceu da admiração pela profissão do pai, caminhoneiro. “Eu tenho boas lembranças das viagens com meus pais, com uns seis anos de idade”. Mas ela queria mais do que a posição de passageira. “Eu sonhava em fazer 18 anos para tirar carteira, não via a hora de poder dirigir. Era meu foco, minha meta”, relata.
O carro se tornou o ambiente de trabalho de Mariana, que precisa avaliá-lo tendo em vista a experiência do cliente FCA, assegurando a garantia. “Eu tenho que checar itens de segurança, retrovisores, volante, marcha, motor, tudo”, explica. É uma função de extrema responsabilidade, e o fato dela ter conquistado esse posto fez com que seu pai passasse a admitir que sim, ela é uma boa motorista.
“Eu sei que eu sou habilitada para o que faço; isso é o mais importante”. Ela tem um filho de 12 anos, João Gabriel, e faz questão de desconstruir preconceitos na educação dele. “Ele me elogia muito, adora andar de carro comigo. Acredito que a geração dele pode ser diferente”.
“Se eu tivesse recebido mais apoio, hoje não teria tanto medo de dirigir”
Cerca de dois milhões de brasileiros têm medo de dirigir, segundo estimativa anunciada pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). O levantamento também mostra que cerca de 80% dessas pessoas são mulheres. Diante de tanto desencorajamento e tantos xingamentos machistas que as mulheres aturam no trânsito, em conjunto com a falta de incentivo contida na ideia de que “mulher e volante não combinam”, a estatística não é uma surpresa.
“É uma questão cultural. Em um momento de fragilidade e insegurança, quando tirei a carteira, meu pai não me deu o apoio mais adequado e recorreu às críticas e à desconfiança. Mas a abordagem com meu irmão, alguns anos mais novo, foi bem diferente”, diz a pesquisadora e professora Verônica Soares da Costa, de 34 anos. Ela acredita que se o incentivo tivesse sido de outra forma, conseguiria ser mais segura e autoconfiante no trânsito. Verônica não pega no volante desde 2012, e hoje considera que tem pânico de dirigir.
Para ela, os dados mostram uma oportunidade de se repensar a relação das mulheres com os carros, por meio da educação — afinal, geralmente são os meninos os incentivados desde pequenos a gostarem de velocidade quando ganham brinquedos e videogames temáticos — e da cultura do que significa dirigir. “Nada de pensar que carro é o objeto de um pai de família. Carro também é para mulher”, diz Verônica.
Diversidade
A FCA possui uma plataforma de Inclusão e Diversidade, que tem como um dos objetivos fortalecer políticas e práticas de equidade de gênero. A FCA foi a primeira do setor automotivo a ingressar no Movimento Mulher 360, iniciativa que reúne organizações que se comprometem com o tema.
Entre as oportunidades para aumentar a participação feminina no ambiente corporativo, a FCA passou a monitorar o número de mulheres no plano de sucessão, com foco da equidade na liderança, além de mudar critérios do processo seletivo do programa de estágio, de forma a garantir paridade de vagas para mulheres e negros.
“A diversidade e a inclusão aumentam o potencial da inovação e, consequentemente, a competitividade dos nossos negócios. Além de atrair profissionais de diferentes grupos para que haja representatividade, é fundamental o trabalho contínuo de conscientização preparando a organização para que essas pessoas sejam verdadeiramente incluídas, não só os novos profissionais, mas aqueles que já estão dentro da organização, para galgarem postos de maior expressão”, afirma a diretora de Recursos Humanos da FCA para a América Latina, Érica Baldini.
Confira agora o vídeo que fizemos com as entrevistadas Viviane, Mariana e Cris.