«Moonlight» – Uma luta em silêncio contra o bullying

Uma das grandes surpresas do ano. Um filme independente que não se enquadra num “filme de óscares”. A homossexualidade é um tema comum no cinema queer e já fez parte de filmes vencedores de Óscares como é o caso de “Milk” (2008), “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005) ou “Filadélfia” (1993), por exemplo, onde são tratadas questões como a descoberta do corpo, a curiosidade em conhecer os outros corpos masculinos, o preconceito e o medo e procura da identidade, articulando ainda o tema do racismo e das drogas. Mas nenhum tocou neles de forma tão singular e sublime como “Moonlight”. Não se compreende como um filme destes consegue, primeiro, chegar aos Óscares, ou seja, ser reconhecido por uma Academia um pouco conservadora, e segundo, receber oito nomeações. Todas elas são merecidas assim como todos os prémios que tem vindo arrecadar ao longo desta temporada de prémios. É o filme mais premiado nesta temporada, ao lado do seu rival “La La Land”.

Por Tiago Resende Do Cinema7

Barry Jenkins realiza a sua segunda longa-metragem, “Moonlight”, mas é como se esta fosse a sua primeira, pois passa do quase anonimato para o estrelato mundial. Num tom melancólico a narrativa divide-se na clássica divisão em três atos, a infância, a adolescência e adulta, em que Chiron, um rapaz homossexual negro, vive num bairro pobre de Miami, tenta descobrir a sua identidade. É uma história sobre a procura da identidade, mas é também uma história de amor.

Numa época de grandes tensões, de intolerâncias e onde o preconceito e crítica ao que é “diferente”, filmes como este ganham ainda mais sentido e força. Contudo, não se deve valorizar este filme pelo contexto atual da sociedade, mas sim pelo seu conteúdo e estilo.

Numa narrativa tradicional, Jenkins divide a estrutura em três atos, as três fazes de vida do protagonista, a sua infância (Little – Alex R. Hibbert), adolescência (Chiron – Ashton Sanders) e adulta (Black – Trevante Rhodes). “Little” e “Black” são alcunhas atribuídas ao protagonista. Os três nomes representam a mesma figura, que vive dentro de si uma luta em silêncio contra o bullying. Quase que o conseguimos ouvir gritar dentro de si. São três tempos que o realizador percorre de forma sublime e criativa. As elipses acontecem de forma natural, sempre com o simbolismo das cores, em especifico a cor azul que ao longo do filme vai dando sentido ao título do filme, assim como a paleta de cores usada pelo diretor de fotografia, que é notável.

Em “Moonlight” são abordados três temas complexos: a homossexualidade, a toxicodependência e o bullying que é uma consequência do primeiro. Sem tabus, mistérios ou preconceitos, estes temas são abordados de uma forma muito natural e universal. Sem longos diálogos, através do olhar das personagens e do silêncio entre elas sentimos o sofrimento e identificamos-nos com elas. A realização é sublime, com movimentos de câmara fabulosos, filmados em steadycam, assim como a montagem e o sólido elenco.

É um filme comovente que envolve o espectador, sobre a descoberta da identidade, com uma posição muito clara ao bullying e que foge aos estereótipos dos filmes queer que abordam estes temas. É um dos filmes mais honestos a tratar temas como o racismo e a orientação sexual. O ano ainda vai muito no inicio, mas “Moonlight” é provavelmente um dos melhores filmes do ano. Jenkins é um realizador a ficar atento. “Moonlight” é um daqueles filmes que nos deixa a pensar quando saímos da sala de cinema. É profundo e não deixará ninguém indiferente. Um filme de uma subtileza rara no cinema americano.

Realização: Barry Jenkins
Argumento: Barry Jenkins (argumento), Tarell Alvin McCraney (peça)
Elenco: Mahershala Ali, Shariff Earp, Duan Sanderson, Alex R. Hibbert, Janelle Monáe, Jaden Piner, Ashton Sanders, Trevante Rhodes
EUA/2016 – Drama
Sinopse: Uma história de ligações humanas e autodescoberta, o relato da vida de um jovem afro-americano desde a sua infância até à idade adulta, acompanhando a sua luta por encontrar um lugar no mundo à medida que cresce num bairro empobrecido de Miami. O filme é um retrato vital da vida contemporânea da comunidade afro-americana ao mesmo tempo que é uma meditação intensamente pessoal sobre identidade e uma obra revolucionária que reflete com grande compaixão e verdades universais.

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Geledés Instituto da Mulher Negra
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