‘Mulher não é vista como ser humano, e sim, como objeto’, afirma socióloga

O estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro desencadeou uma ampla discussão nas redes sociais. Entre mensagens de apoio à vítima e de indignação com caso, havia também diversos comentários que apontam culpa da menina na agressão.

Por Maria Júlia Marques, do UOL

“Ela não deveria ter ido ao baile, não deveria estar na rua aquela hora e por isso o estupro”, publicou um internauta. “Foi burra, não tem idade para beber e talvez tenha usado outras coisas, mulher tem que se preocupar se vai ser estuprada”, disse outro. E um terceiro comentário afirmava que “se tivesse em casa estudando, que é o lugar certo para menina de 16 anos, isso não teria acontecido.”

A socióloga e professora aposentada da USP (Universidade de São Paulo) Eva Blay afirma que o raciocínio de julgar a vítima e não os agressores está na instauração de uma cultura machista e misógina no país. “A mulher não é vista como um ser humano, e sim, como um objeto a ser usado pelo homem”.

“Tem que ser claro que a culpa é sempre do estuprador”, afirma Djamila Ribeiro, subsecretária de direitos humanos na Prefeitura de São Paulo. Segundo a ativista, tentar justificar a agressão é uma forma de diminuir a responsabilidade dos homens na violência.

A mulher tem o direito de estar no espaço público, de ser autônoma, de vestir o que quiser. Isso não abre espaço para ninguém a questionar ou violentar.”

Djamila Ribeiro

Para a cientista política Priscila Brito, do movimento Articulação de Mulheres Brasileiras, é preciso aprofundar o debate para que a população possa combater o machismo que está por trás de crimes como esse.

“A cultura do estupro da nossa sociedade promove o discurso: que a mulher é culpada por ter provocado o estupro de alguma maneira. Ou porque ela usou roupa curta, porque seduziu o cara, porque estava andando sozinha à noite. Não é justificável, mas a cultura acaba promovendo isso. Como a gente vive em uma sociedade machista, as pessoas tendem a procurar motivos para justificar a violência contra a mulher, desde a violência doméstica até o estupro”, lamentou.

Para mostrar que não há justificativa para dizer que “a mulher pediu para ser estuprada”, a Eva Blay relembra casos que acompanhou e que fogem das desculpas padrões de provocação.

Existem casos dentro de escolas, dentro do próprio casamento, casos com idosas, com bebês recém-nascidos. [A única coisa que se repete] é o desejo de dominação e violência por parte do agressor.”

Eva Blay

Uma mulher é estuprada no Brasil a cada 11 minutos, segundo estatística recolhida pela Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ao todo, no Brasil, 47,6 mil mulheres foram estupradas em 2014, última estatística divulgada. No Estado do Rio, foram 5,7 mil casos.

A socióloga acredita que grandes barbáries como o caso do estupro coletivo no Rio acendem uma importante discussão sobre como a sociedade abraça a vítima e como os próximos casos serão tratados no Brasil.

Leis precisam ser cumpridas

De acordo com ela, apesar de haver lei específica para o assassinato de mulher (feminicídio) ou para a violência contra a mulher (lei Maria da Penha), elas ainda não são usadas de maneira adequada.

“Se é que existe um lado bom nessa história, é que move debate, até o presidente interino, Michel Temer, prometeu uma movimentação para tomar providências, indicar alternativas, cobrar penalidades. Já existem leis para ajudar mulheres, mas elas precisam ser mais bem aplicadas”.

Nesta sexta, o presidente interino anunciou que será criada um departamento na Polícia Federal dedicado à violência contra mulher.

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