Na guerra entre polícia e PCC, a vítima é o estado de direito

O governador Geraldo Alckmin tem afirmado que nas ações policiais só morre quem reage. Seu secretário de segurança diz que há muita fantasia sobre as atividades do PCC.

Por Marcelo Semer*

Mas com base no volume de mortes de policiais e de outras tantas aparentes execuções no Estado, a imprensa tem retratado um verdadeiro clima de guerra entre a PM e a facção criminosa.

No meio do tiroteio vai ficar o próprio estado de direito.

Não podemos entender como normal que policiais a nosso serviço sejam assassinados por vingança, nem criar estruturas oficiais ou paralelas de execução por causa disso.

Atenuar a existência de uma quadrilha organizada não faz com que o crime diminua –o próprio PCC já foi dado como extinto outras vezes pelo mesmo governo, sem sucesso.

Mas a violência policial também não é forma legítima para reagir a qualquer espécie de crime –só contribui para aumentar ainda mais a escalada da violência.

Quando o país teve por política o uso frequente de torturas e execuções para proteger a “segurança nacional”, nós nos vimos mergulhados em uma feroz ditadura por mais de vinte anos.

As consequências de toda violência são profundas e irreversíveis, sobretudo para suas vítimas. Mas nenhum crime é capaz de pagar por outro.

Membros da mesma facção criminosa já foram condenados pelo covarde homicídio de um juiz de direito em São Paulo. Agora é a violência policial que vai ao banco dos réus pelo bárbaro assassinato de uma juíza no Rio de Janeiro.

O discurso conservador surfa na onda do medo criado pela alta na criminalidade, estimulado fortemente na mídia. Mas as soluções que propõe são justamente aquelas que produzem os resultados mais desastrosos.

A rigidez trazida pela Lei dos Crimes Hediondos fez dobrar a população carcerária no Estado em dez anos, sem reduzir em nada os crimes que levaram a maior parte dos réus à cadeia.

O severo regime disciplinar diferenciado mais reforçou do que coibiu o fortalecimento das facções –é só ver o que o era o PCC antes e depois da criação do RDD.

A ideia recorrente de que prisão deve ser transformada em um profundo sofrimento e mal-estar (como se atualmente fosse “um hotel cinco estrelas”) só aprofunda a precarização da situação carcerária.

A imensa omissão do Estado na conservação dos direitos dos presos é o grande estimulador dos comandos internos, por meio dos quais líderes subjugam os mais fracos e vendem vantagens e proteções.

A prisionalização excessiva de jovens primários por crimes menos graves fornece, enfim, um enorme exército de mão de obra para vitaminar as facções. O crime organizado agradece.

Em algum momento vamos compreender que a repressão desmedida não favorece a redução da criminalidade, só a aumenta. Que não seja tarde demais.

*Marcelo Semer é juiz de direito em SP e escritor. Ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Autor do romance Certas Canções (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Fonte: Terra Magazine

+ sobre o tema

Será que eu sou uma fraude? A mestiçagem e o meu não lugar

A vida inteira fui chamada de branquinha pelo meu...

Foto de soldados britânicos fazendo saudação nazista é investigada

  Dois soldados britânicos foram fotografados em uma...

Jovens juiz-foranos combatem preconceito e discutem questões raciais na internet

Assuntos como sobrepeso e desigualdade social são abordados em...

para lembrar

Violência tem cor

Nesta semana o Instituto de Pesquisa Economia Aplicada (Ipea)...

USP discute a presença negra no Ensino Superior

Estudantes, ativistas, professores, futuros universitários se reúnem para discutir...

5 Reasons Why the Amarildo Case Is Important

It's been a month since Amarildo de Souza...
spot_imgspot_img

Em 2023, a cada duas horas cinco jovens foram vítimas de homicídio

No ano de 2023, homicídios tiraram a vida de 21,8 mil jovens de 15 a 29 anos. Isso representa uma média de 60 assassinatos...

O 13 de maio é dia de festa?

O 13 de maio de 1888 foi um dia de festa para milhares de pessoas à época mantidas sob o jugo da escravização no Brasil, mas...

Desigualdade em queda

Numa mesma semana, o Brasil colheu um par de bons resultados para quem se interessa pelo combate à desigualdade. O Pnud/ONU informou que o país...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.