Nat Turner

Quem foi Nat Turner?

Nat Turner (Nathaniel Turner, 2 de outubro de 1800 – 11 de novembro de 1831) foi um escravo americano que liderou uma revolta de escravos, a qual resultou em 55 mortes, o número mais elevado a ocorrer durante uma rebelião, antes da deflagração da Guerra Civil, no sul dos Estados Unidos. Seus partidários foram recrutados no condado de Southampton, Virginia.

Quando ele nasceu seu senhor registrou apenas seu prenome, Nat, embora ele talvez tenha tido um sobrenome na comunidade escravizada. De acordo com uma prática comum, a comunidade branca se referiu a ele pelo sobrenome de seu senhor, Samuel Turner. Semelhante prática foi adotada igualmente pelos historiadores.

Em 2002 o acadêmico Molefi Kete Asante incluiu Nat Turner entre os 100 Maiores Afro-Americanos.[1]

Nat passou toda sua vida no condado de Southampton, Virginia, região onde a população negra superava a dos brancos.[2] Após a rebelião, um anúncio oferecendo recompensa assim o descreveu:

5,6 ou 5,8 palmos de altura, pesa entre 150 e 160 libras, pele mais para o claro, mas não é mulato, ombros amplos, nariz grande e achatado, olhos grandes, pés grandes, caminha com rapidez, o cabelo no alto da cabeça é muito ralo, não tem barba, exceto no lábio superior e na ponta do queixo, tem uma cicatriz em uma das têmporas, uma outra atrás do pescoço, uma grande protuberância nos ossos do braço direito, perto do punho, produzida por uma pancada. [3]

Nat era extremamente inteligente e aprendeu a ler e a escrever ainda muito jovem. Cresceu entregue a sentimentos profundamente religiosos e era visto com frequência praticando jejuns, rezando ou concentrado, lendo relatos da Bíblia..[4] Tinha frequentes visões, que interpretava como mensagens de Deus. Tais visões influenciaram enormemente sua vida. Por exemplo, quando Nat tinha 23 anos, fugiu de seu senhor, porém retornou dali a um mês, após ter uma dessas visões. Dirigia amiúde orações na Igreja Batista e pregava a Bíblia para seus companheiros de cativeiro, que o chamavam de “O Profeta”.

Nat Turner também exercia influência sobre os brancos e, em se tratando de um deles, Ethelred T. Brantley, Nat declarou ser capaz de convencê-lo a “cessar de praticar o mal”.[5] No início de 1828 Nat se convenceu de que ele “fora designado para executar um grande propósito, que repousava nas mãos do Todo Poderoso”.[6]

Enquanto trabalhava nos campos de seu senhor, no dia 12 de maio, Turner “ouviu uma forte voz nos céus, e o Espírito apareceu instantaneamente para mim e disse que a Serpente estava à solta, que Cristo largou a canga que havia feito para os pecados dos homens e que eu devia assumi-la e lutar contra a Serpente, pois se aproximava rapidamente o tempo quando os primeiros seriam os últimos e os últimos seriam os primeiros.[7] Nat se convencera de que Deus lhe havia dado a tarefa de “matar meus inimigos com suas próprias armas.[7] Nat “comunicou que uma grande tarefa me tinha sido designada, de me unir aos quatro em que tinha a maior confiança”, seus parceiros de escravidão, Henry, Hark, Nelson e Sam..[7]

Em fevereiro de 1831 Turner passou a acreditar que certas condições atmosféricas deviam ser interpretadas como um sinal de que ele precisava começar a se preparar para uma rebelião contra os senhores de escravos.

No dia 12 de fevereiro de 1832 um eclipse solar foi visto na Virginia. Nat o interpretou como se uma mão negra alcançasse o sol e o encarou como um sinal. A rebelião estava planejada inicialmente para o dia 4 de julho, quando se comemorava o Dia da Independência, mas foi adiada devido a uma deliberação entre eles e seus seguidores e também por causa de uma doença. No dia 13 de agosto ocorreu uma perturbação atmosférica, além de outro eclipse solar durante o qual o sol parecia azul-esverdeado, possivelmente devido aos detritos depositados na atmosfera por uma erupção do Monte Saint Helens. Nat interpretou o fato como um sinal final e daí a uma semana, no dia 21 de agosto, deu início à rebelião.

A REBELIÃO ESCRAVA DE NAT TURNER

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Nat se apoiou inicialmente em alguns escravos de confiança. Os rebeldes iam de uma casa a outra, libertando os escravos e matando todos os brancos que encontravam. No final haviam conseguido reunir mais de 50 escravos e negros livres.

Como os rebeldes não queriam chamar a atenção de quem quer que fosse enquanto desfechavam os ataques, inicialmente usaram facões, machadinhas, foices e instrumentos de lâminas afiadas, no lugar de armas de fogo. Nat convocou seu grupo a “matar todos os brancos”. Os rebeldes não discriminavam estes últimos pela idade ou sexo, embora Nat tenha indicado mais tarde que ele tencionavam poupar mulheres, crianças e homens que se rendessem, à medida que a rebelião prosseguia.

Até Nat e os rebeldes enfrentarem a resistência por parte de uma milícia branca, eles mataram, ao todo, 55 homens, mulheres e crianças. [8] Pouparam algumas casas, “porque Nat acreditava que seus pobres moradores brancos “não tinham a si próprios em alta conta, pensando o mesmo dos negros”. [9]

CAPTURA E EXECUÇÃO

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A rebelião de Nat Turner foi suprimida em 48 horas, mas ele foi capturado somente no dia 30 de outubro, ao ser descoberto em um buraco tapado com cercas, sendo então levado a julgamento. No dia 5 de novembro de 1831 ele foi pronunciado culpado e sentenciado à morte. Foi enforcado no dia 11 de novembro em Jerusalem, Virginia, hoje conhecida como Courtland, Virginia. Seu corpo foi esfolado, cortaram-lhe a cabeça e ele foi esquartejado.

Após a execução seu advogado, Thomas Ruffin Gray, que tivera acesso à prisão onde ele estava detido, dedicou-se à tarefa de publicar As Confissões de Nat Turner, em parte resultado das pesquisas realizadas quanto Nat ainda se escondia e em parte resultado de diálogos com ele antes de seu julgamento. Esta publicação é o documento histórico primordial relativo a Nat Turner.

CONSEQUÊNCIAS

Ao todo foram executados 56 negros suspeitos de envolvimento com a rebelião. Nos sangrentos dias que se seguiram, quase 200 negros, muitos dos quais nada tiveram a ver com a rebelião, foram espancados, torturados e mortos por enfurecidas multidões de brancos.[10]

Antes da Revolta de Nat Turner, houve um pequeno e pouco eficiente movimento anti-escravagista no Estado da Virgínia, devido em grande parte a fatores econômicos que tornavam a escravidão menos lucrativa, no Velho Sul dos anos de 1820, e também devido ao temor que os brancos sentiam diante do número cada vez maior de negros, sobretudo nas regiões de Tidewater e Piedmont. A maioria dos membros desse movimento, incluindo o governador em exercício John Floyd, apoiava a abolição devido a tais motivos. Considerações relativas à pureza racial e moral dos brancos também influenciaram muitos desses moradores anti-escravagistas da Virginia.

O temor de que se repetisse a Revolta de Nat Turner serviu para polarizar os moderados e os senhores de escravos em todo o Sul. As municipalidades da região instituíram medidas repressivas contra os negros escravizados e livres. Estes últimos tiveram seus direitos suprimidos. As liberdades de todos os negros da Virgínia foram rigidamente restringidas. No plano social, a rebelião desencorajou os brancos de questionar o sistema escravagista a partir da perspectiva de que semelhante discussão poderia encorajar semelhantes revoltas de escravos. As alforrias de escravos haviam diminuído por volta de 1810. O decréscimo do cultivo do tabaco fez com que a posse de escravos no Alto Sul se tornasse anti-econômica, diante das necessidades dos fazendeiros e, assim, eles começaram a alugar o braço escravo. Com o término do tráfico escravagista, a invenção do descaroçador de algodão e a abertura de novos territórios no Sul Profundo, passou a existir um mercado crescente para a venda de escravos. Durante as próximas décadas mais de um milhão deles foram transportados para o Sul Profundo, numa migração forçada, resultante do tráfico doméstico.

Em termos de reação do público e da perda de vidas de brancos, os senhores de escravos do Alto Sul e dos estados litorâneos ficaram profundamente chocados com Rebelião de Nat Turner. Embora o Levante da Louisiana, no Litoral Alemão, em 1811, tivesse envolvido um número maior de escravos, ele resultou em apenas duas mortes de brancos. Os acontecimentos da Louisana não receberam tanta atenção, naqueles anos, tanto no Alto como no Baixo Sul.

Devido a seu singular status, Nat é considerado um herói por alguns afro-americanos e pan-africanistas, no mundo inteiro.

Nat tornou-se o foco de pesquisas históricas desde os anos de 1940, quando o historiador Herbert Aptheker publicou o primeiro trabalho acadêmico sério sobre as instâncias da resistência escrava no sul anterior à Guerra Civil. Aptheker enfatizou como a rebelião se enraizava nas condições de exploração que reinavam no sistema escravagista do sul. Ele pesquisou em bibliotecas e arquivos de todo o sul, conseguindo levantar 250 situações de revolta, embora nenhuma delas tenham atingido a escala da Rebelião de Nat Turner.

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veja o trailer do filme The Birth of a Nation

Legado

• The Confessions of Nat Turner, romance de William Styron, recebeu o Prêmio Pullitzer de Ficção em 1968. O livro foi muito bem recebido pela crítica e pelo público. Vários críticos negros o consideraram racista e “uma tentativa proposital de apropriar-se do sentido da vida de um homem”. Tais colocações faziam parte de discussões culturais sobre como diferentes povos podem interpretar o passado e se um grupo é o único detentor de qualquer parte desse passado.
• Nat Turner: A Troublesome Property, filme de Charles Burnett, estreou em 2003.
• In 2007 o autor de histórias em quadrinhos, Kyle Baker, escreveu um livro de duas partes sobre Turner e sua rebelião, intitulado Nat Turner.
• O rapper Reef The Lost Cauze tem, em seu último Cd, uma canção intitulada Nat Turner
Ver também
John Brown (abolicionista)
Notas
1. ^ Asante, Molefi Kete (2002). 100 Greatest African Americans: A Biographical Encyclopedia, Amherst, NY: Prometheus Books. ISBN 1-57392-963-8.
2. ^ Drewry, William Sydney (1900). The Southampton Insurrection. Washington, D. C.: The Neale Company. pp. 108.
3. ^ Description of Turner included in $500 reward notice in the Washington National Intelligencer on September 24, 1831, quoted in Aptheker, American Negro Slave Revolts, p. 294.
4. ^ Aptheker (1993), p295.
5. ^ Gray, Thomas Ruffin (1831). The Confessions of Nat Turner, the Leader of the Late Insurrections in Southampton, Va.. Baltimore, Maryland: Lucas & Deaver. pp. 7-9, 11..
6. ^ Gray (1831), p 9.
7. ^ a b c Gray (1831), p 11.
8. ^ Oates, Stephen B. (1990 [1975]) The fires of jubilee: Nat Turner’s fierce rebellion, New York: HarperPerennial ISBN 0-06-091670-2.
9. ^ Oates, Stephen. “Children of Darkness”. American Heritage Magazine. http://www.americanheritage.com/articles/magazine/ah/1973/6/1973_6_42.shtml. Obtido em 18 de julho de 2008.
10. ^ Africans in America/Part 3/Nat Turner’s Rebellion
Referências
• Nat Turner biography, part of the Africans in America series Website from PBS.
• “Nat Turner: A Troublesome Property”
Para saber mais
• Herbert Aptheker. American Negro Slave Revolts. 5th edition. New York: International Publishers, 1983 (1943).
• Herbert Aptheker. Nat Turner’s Slave Rebellion. New York: Humanities Press, 1966.
• Scot French. The Rebellious Slave: Nat Turner in American Memory. Boston: Houghton Mifflin. 2004.
• William Lloyd Garrison, “The Insurrection”, The Liberator, (3 de setembro de 1831). Reação contemporânea dos abolicionistas diante da notícia da rebelião.
• Thomas R. Gray, The Confessions of Nat Turner, the Leader of the Late Insurrections in Southampton, Va. Baltimore: Lucas & Deaver, 1831. À disposição on line.
• Kenneth S. Greenberg, ed. Nat Turner: A Slave Rebellion in History and Memory. New York: Oxford University Press, 2003.
• Stephen B. Oates, The Fires of Jubilee: Nat Turner’s Fierce Rebellion. New York: HarperPerennial, 1990 (1975). ISBN 0-06-091670-2.
• Junius P. Rodriguez, ed. Encyclopedia of Slave Resistance and Rebellion. Westport: Greenwood Press, 2006.
• Ely, Mike. “The Slave Rebellion of General Nat Turner”. [mikeely.wordpress.com/interviews. History. À disposição online.] Dezembro de 2007.
Ligações externas

Wikimedia Commons dispõe de mídia relacionada a Nat Turner
Wikisource dispõe de escritos originais escritos por ou sobre
Nat Turner

Wikiquote tem uma coleção de citações relacionadas a Nat Turner

• Works by Nat Turner at Project Gutenberg
• The Confessions of Nat Turner, the Leader of the Late Insurrection in Southampton, Va. Baltimore: T. R. Gray, 1831.
• Nat Turner’s Rebellion, Africans in America, PBS.org
• Jessica McElrath, Nat Turner’s Rebellion, About.com
• Thomas Ruffin Gray, The Confessions of Nat Turner (1831) online edition
• “Nat Turner: Lightning Rod” on the American Heritage website
• Top-rated online version Black Freighter Productions’ free online version of “Nat Turner’s Confession” (entire text, professional layout, PDF.)

Pesquisa e seleção de imagens:
Carlos Eugênio Marcondes de Moura

Imagens obtidas em Google Imagens

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