Cortar investimentos públicos significa manter os negros nos grilhões
Por Djamila Ribeiro, para Carta Capital
Simone de Beauvoir nos ensinou que a conquista de direitos não é algo permanente. Ao contrário, deve-se sempre manter vigilância e lutar para mantê-los. Essa afirmação nunca fez tanto sentido quanto agora, num momento de atentado aos direitos fundamentais. A aprovação da PEC 55, que limita de forma drástica o investimento em saúde e educação por 20 anos, é um aviltamento, sobretudo para a população negra e periférica.
Importante frisar que a não implementação de políticas públicas na área da saúde atinge diretamente mulheres negras, as que mais sofrem com mortalidade materna e violência obstétrica. Importante nomear o quanto essas medidas são racistas.
Segundo dados da campanha “SUS Sem Racismo”, mulheres negras costumam receber, em média, menos tempo de atendimento médico que as brancas e compõem 60% das vítimas da mortalidade materna no Brasil. Além disso, somente 27% das negras tiveram acompanhamento durante o parto na pesquisa, ao contrário dos 46,2% das mulheres brancas.
E 62,5% receberam orientações sobre a importância do aleitamento materno, preteridas em favor dos 77% das mulheres brancas. De acordo com dados de 2013, divulgados da Organização Internacional do Trabalho, mais de 93% das crianças e dos adolescentes envolvidos em trabalhos domésticos no Brasil são meninas negras.
Segundo dados do relatório “Criança Fora da Escola 2012”, do Unicef, cerca de 1 milhão de jovens estavam fora da escola. O não investimento em políticas públicas configura a manutenção da estrutura racista e machista, a legitimação da ordem.
É necessário frisar a importância do debate racial como nexo prioritário das lutas contra os retrocessos que virão e em todas as políticas de modo transversal.
Nos últimos 13 anos existiram avanços significativos em relação à promoção da igualdade racial, sobretudo na área da educação, com a ampliação das universidades federais e a Lei de Cotas. Em vez da ampliação dessas conquistas, assistimos a saídas regressivas que se intensificam após o impedimento da presidenta Dilma Rousseff.
Angela Davis, em Mulheres, Raça e Classe, diz: “De acordo com a ideologia dominante, a população negra era supostamente incapaz de progressos intelectuais. Essas pessoas haviam sido propriedade, naturalmente inferiores, quando comparadas ao epítome branco da humanidade. Mas, se fossem realmente inferiores em termos biológicos, as pessoas negras nunca teriam manifestado desejo nem capacidade de adquirir conhecimento. Portanto, não teria sido necessário proibi-las de aprender” (pág. 109).
Medidas como a da PEC 55 proíbem a população pobre, sobretudo a negra, de aprender e sair dos lugares estruturados pelo racismo. É necessário frisar o caráter racista desse retrocesso e, a partir daí, pensar saídas emancipatórias que fundamentalmente valorizem essas interseções.