Quando resolvi organizar o livro Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e masculinidades, junto com o professor Rolf de Souza, um projeto pensado, e escrito exclusivamente por homens negros (das mais diferentes matizes fenotípicas, ideológicas, sexuais, etc.), um dos motivos, era que nos últimos anos vinha sentindo uma “atmosfera” de desqualificação sistemática e generalizada sobre nós. Havia uma retórica inflamada por parte de um segmento do movimento das mulheres negras que identificavam os homens negros como a síntese de todos os males da população negra: violência, preterimento, violação, alienação, abandono, enfim o degenerado perfeito.
O livro veio justamente no sentido de trazer as contribuições teóricas e experiências práticas dos homens negros fazendo um contraponto à essa narrativa depreciativa, não no sentido de idealizá-lo, mas sim complexificá-lo. Os últimos acontecimentos têm mostrado que esse discurso de demonização dos homens negros é nocivo para todas as pessoas negras, pois se por um lado degrada a humanidade do homem negro (legitimando toda a violência contra ele), por outro tende a sacralizar as mulheres negras, colocando-as como reserva moral da população negra. Isso acaba gerando grandes expectativas em torno das mesmas, que caso não sejam contempladas, a tendência é que sejam julgadas sumariamente. Em síntese, ambos são desumanizados, simplesmente porque não somos santos nem demônios.
Felizmente um outro segmento do movimento de mulheres negras que sempre viu com desconfiança esse discurso, têm ganhado maior expressividade e disputado espaço no debate público. Ainda assim, sublinho a importância de que as pessoas negras, de forma geral, façam o exercício existencial de lerem, ouvirem e verem os homens negros por um prisma humanizador, e não através das lentes do ódio, do ressentimento e da colonialidade.
Nós homens negros temos falado nos últimos anos sobre exatamente isso, como esse discurso que procura desqualificar, por inteiro, o outro, como forma de se projetar, é uma tática fadada ao fracasso e a humilhação pública. Apenas alguns poucos se beneficiam disso, que agora ou estão calados, ou, oportunamente, adequando seus discursos para o momento.
De um ponto de vista relacional, homens e mulheres, com suas óbvias particularidades, estão interligados. Não há avanços sólidos na nossa desunião. Famílias, relações afetivas, sexuais e profissionais dependem do fortalecimento de nossos laços. Todos os movimentos negros brasileiros, dentro das possibilidades dos seus contextos históricos, tiveram essa preocupação.
Enfim, como diria o sociólogo Guerreiro Ramos, nos atentemos ao Negro Vida e não ao Negro Tema.