O preconceito e o mito da homenagem por trás do dia 19 de abril

Conhecida como Dia do Índio, data não traduz verdadeiros anseios dos povos originários

Muito se fala do mês de abril, o “mês do índio”, período no qual escolas e outras instituições organizam apresentações culturais com a caracterização. Porém, 19 de abril, conhecido como “Dia do Índio”, data comemorativa sobre a cultura indígena, não traduz os verdadeiros anseios de nós, povos originários.

A data criada há mais de 70 anos não nos representa, pois é preconceituosa e carregada de estereótipos. Hoje nas escolas e em outros lugares, o olhar sobre nós segue uma ideia folclórica de pinturas faciais sem significado e uso indevido dos nossos cocares.

Para nós, que ainda resistimos nesse território, isso é uma afronta à nossa cultura. Nossas pinturas são nossas armaduras de luta, nós nos pintamos de jenipapo e urucum, frutos de onde são extraídas as tintas preta e vermelha, que pintam os guerreiros e guerreiras para festejar e lutar, ambos em nome de nossos direitos garantidos na Constituição, mas que não são efetivados em nossos territórios.

Aguardando aprovação do Senado e já aprovado pela Câmara, o projeto de lei 5466/19, de autoria da deputada Joenia Wapichana, muda o nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”. A palavra “índio” sempre trouxe uma visão deturpada sobre toda pluralidade étnica e cultural dos povos originários.

Educadores, pensadores, guerreiros, guerreiras, comunicadores, lideranças e profissionais de diferentes povos e todas as áreas buscam respeito da sociedade brasileira.

A conscientização sobre as culturas é necessária para retirar da invisibilidade indígenas em contexto urbano, aldeados ou que vivem em favelas e periferias. Estamos em todos os lugares em busca de visibilidade, representatividade e políticas públicas no fortalecimento dos direitos indígenas.

Aprendemos que nossa cultura é nossa saúde e fonte de resistência.

Nossas pinturas trazem forças espirituais assim como o nosso cocar, que ao colocarmos na cabeça nos guia. Não é só o dia 19 que é dia dos povos indígenas, todos os dias são nossos, todos os dias estamos na luta em defesa das nossas vidas. Os livros impostos nas escolas também contribuem para que essas narrativas continuem acontecendo. Desde o 22 de abril, ensinado como o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, quando, na verdade, foi invadido pelo mesmo. A invasão foi tão cruel que levou à morte muitos parentes, principalmente no processo de colonização em que nossas culturas foram fragilizadas.

Hoje, nossos protetores são vistos como demônios e figuras mitológicas, a exemplo do nosso curupira, o grande protetor da mata. Não estamos só nos livros feitos pelos brancos, estamos aqui nessa terra, na resistência, protegendo o que é mais sagrado para nós, o território.

O que sabemos é que o Brasil possui em seu imenso território uma diversidade de povos indígenas, com culturas e saberes diferentes entre si, e diferentes da ideia dos não indígenas, segundo a qual a cultura indígena é uma só.

A figura produzida e mostrada do indígena nas escolas é a figura do indígena selvagem. Nossas lutas para ocupar espaços é muito grande e envolve o preconceito enfrentado nas universidades, nas empresas e em outros lugares. Ver um indígena fora dessa figura criada faz crescer ainda mais o preconceito existente.

Atualmente, existem várias leis que garantem – ou deveriam garantir – uma série de direitos a nós, povos originários.

A 18ª edição do ATL (Acampamento Terra Livre) reuniu mais de 7 mil indígenas de 200 povos diferentes, de todo o Brasil, em Brasília de 4 a 14 de abril. Em documento final divulgado, o movimento organizado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e organizações regionais, destacou a importância de “retomar o Brasil”, “demarcar territórios e aldear a política” como fundamental para a luta dos direitos indígenas no país.

No entanto, continuamos sofrendo com o (des)governo que temos hoje no país. Com a flexibilização das leis, como, por exemplo, a do licenciamento ambiental, que dá abertura ao retrocesso e faz com que tragédias possam continuar e se agravar. Entre elas, o avanço do garimpo nos territórios como do Baixo Tapajós no povo Munduruku e a TI Xipaya, ambos situados no estado do Pará, que foi invadida por garimpeiros. Os invasores detidos foram soltos em seguida.

Sofremos com o interesse de fazendeiros, madeireiros e garimpeiros que tentam explorar nossas terras em benefício próprio.

A luta no baixo Tapajós é constante para a continuação do ensino diferenciado dentro das escolas nas Aldeias.

Resistimos para existir.

+ sobre o tema

Advogado esclarece dúvidas sobre cotas para negros em concursos públicos

Advogado esclarece dúvidas sobre cotas para negros em concursos...

Relatório da Anistia critica aumento de mortes em ações policiais no Brasil

Relatório da Anistia Internacional aponta preocupação com as crescentes...

Jovem baleado durante abordagem de militares na Maré tem a perna amputada

Vitor Santiago Borges, de 19 anos, baleado na madrugada...

PF suspeita que dupla racista planejava massacre na UnB

A Polícia Federal viu no site mantido por Marcelo...

para lembrar

Chove mais no Jacarezinho

Não, as chuvas torrenciais no Rio de Janeiro não são racistas;...

O algoz não vai ter mais razão

Há um desespero cômico naqueles que não falam mais...

Clipe romântico vira alvo de racismo e ameaças de morte no youtube

A cantora norueguesa Sophie Elise, de 22 anos, passou...
spot_imgspot_img

Mãe não é tudo igual

- Coloca um casaco, meu filho! - Na volta a gente compra, filha. É bem provável que muitos de nós já tenhamos ouvido alguns desses bordões...

Carta aos negacionistas: comprem um seguro de vida

Senhores negacionistas, Coube à nossa geração viver uma encruzilhada existencial: ou mudamos a forma de nos relacionar e habitar o planeta, ou simplesmente esse planeta...

À espera da extinção da escravidão

Dia 13 de maio de 2024 completam-se 136 anos da assinatura da Lei 3.353/1888 pela então princesa imperial regente. Para além do abandono dos negros...
-+=