Não, as chuvas torrenciais no Rio de Janeiro não são racistas; nós é que somos. A infraestrutura de proteção contra eventos extremos é distribuída, territorialmente, de maneira desigual num país onde CEP tem cor e classe.
Em quatro horas nesta terça-feira (7), choveu 70% do esperado para todo o mês de fevereiro. Diante de uma chuva que atinge a todos, o racismo ambiental pergunta: o barraco de quem foi arrastado pelas águas e por quê?
O contraste não poderia ser maior. Enquanto vídeos pipocam de amigos em Ipanema mostrando a chuva caindo nas escadas de seus prédios, no Jacarezinho, na zona norte do Rio, as águas destroem alimentos para famílias de baixa renda.
Claro que todos podem ser atingidos pelos temporais, mas disparidades de classe e raça permeiam quem consegue mitigar os efeitos de fenômenos meteorológicos: extremados, mas cada vez mais comuns com a crise climática.
Quem mora onde jogamos o nosso lixo? Foi dessa pergunta que o termo “racismo ambiental” nasceu, em 1982, a partir de protestos em massa na cidade de Afton, de maioria negra, na Carolina do Norte (EUA), contra a construção de um aterro sanitário de resíduos tóxicos.
A água de quem sai amarela da torneira e a quem isso favorece? Foi dessa pergunta que surgiu a mobilização de comunidades negras e indígenas no Canadá retratadas no filme “Algo de Podre na Água” (ou “There’s Something in the Water” no original), de 2019.
Justiça climática é justiça social, e isso significa que, em tempos de crise, as chuvas transbordam as páginas de serviço meteorológico para as manchetes políticas e econômicas dos jornais.
A crise hídrica que ainda afeta negros na cidade de Flint, em Michigan (EUA), ou na periferia do Rio impõe novas questões sobre velhos problemas. O racismo ambiental nos desafia a não somente perguntar se vai chover hoje, mas sobre a cabeça de quem.