Ostracismo Fashion

Ao dizer que “moda é uma forma específica de mudança social”, o filósofo, Gilles Lipovetsky, me proporciona pensar que, por um período cíclico, pessoal e social há mudanças de comportamentos. Alguns regrados pela vaidade, outros alimentados por alguns ideais como sustentabilidade, conforto, praticidade, elegância, cultura e bem estar social. 

Por Jane Gomes, enviado para o Portal Geledés

Jacek Sopotnicki/imageBROKER RF/Getty Images

Não nego que o termo moda ainda se mantém ligado, no senso comum, à frivolidades, porém o mundo veste moda, mas com linguagens específicas que lhes permitem tanger esferas. Nessa compreensão, se é ou não fútil, foram produzidos e adotados diversos termos que correlaciona o sistema do vestuário, integrando tempo, espaço, cultura, política, economia, classe social, regionalidade e sociabilidade, dentre outros fatores capazes de produzir sentido, ao termo “moda”.   

Abrangentemente, o mundo fashion destaca-se nos continentes e cada nacionalidade cria seus valores de acordo com as suas especificidades. No Brasil, também temos nossos valores específicos, classificados por diferentes grupos étnico-sociais. Na população negra, que consome moda afro-brasileira, destacamos os valores específicos nas questões de identidade. Vale questionar os valores específicos de consumidores não negros.

No artigo Dilemas na Moda da Diáspora Africana, o autor, Van Dyk Lewis, revela que;  

“as configurações e os objetos materiais de moda criados e adotados pela diáspora africana são mostrados para representar a história de como os indivíduos e os grupos tentam acompanhar ou rejeitar a moda definida pela cultura dominante” (p. ) . 

Em forma de protesto ao padrão eurocêntrico, a população que absorve moda afro-brasileira consome o ideal de pertencimento à uma África-mãe conceituada, e para além dessa maternidade, vivenciamos referências que alcançam outras culturas afro diaspóricas. Neste momento tenho me questionado; Qual é a importância da moda? Qual é a linguagem que se comunica com essa forma específica de mudança social? 

Estou a procura de um termo que abrangesse o mundo fashion, destacando a contrahegemonia dos continentes à ditar regras e conceitos. Porém “a atual conjuntura concerne o direito de definir moda com um único propósito”, acolher! cobrir, aquecer e proteger o corpo, são funcionalidades essenciais para o vestir.

Sendo assim, qual é a importância do vestir em tempos de isolamento social? 

Historiadores atestam que as vestes também servem para decorar e proteger o corpo de qualquer coisa capaz de ferir a decência, além de salientar uma outra função que é a de transmitir memória. No texto “Memórias vestidas: um estudo sobre o silêncio das roupas e afetividade”,  Bruna Raquel La Serra, diz que:“ A  roupa pode parecer calada, trancafiada em seu guarda-roupa, mas isto não significa que ela não é capaz de trazer resíduos de memória e discursos impregnados”. Corroborando Van Dyk Lewis, me questiono: De que forma iremos manter o que entendemos como identidade negra, dentro de um conceito de moda afro-brasileira, deixando de ser uma cultura subordinada a cultura dominante? 

Entendo que valha a pena vestir-se de memórias afetivas, acolhidas sobre o tecido, sabe aquela roupa que você ganhou de alguém muito especial, ou aquela peça que você ama tanto, por ter vivido um momento inusitado?  Considere. A linguagem das roupas, ou seja, a moda é carregada de afetos. 

Me intimo recordar que o nosso meio de transmissão de acontecimentos transcende nossa ancestralidade, que atua como agentes receptores, transmitindo memórias afetivas, fulltime. Estejamos atentas e atentos aos nossos sinais. 

A finalidade da moda afro diaspórica não é apenas derrubar o padrão de beleza da cultura dominante eurocentrista, nossa finalidade enquanto pessoas produtivas criativas idealizadoras e consumidoras de moda afro-brasileira, é permear a ancestralidade e a modernidade, como forma de expressão da nossa cultura, para que a mesma possa ser respeitada e praticada o mais circunvizinho da sua essência africana. 

A moda exige uma  mudança social e cultural, e eu proponho nos conectarmos com hábitos e saberes ancestrais, para que possamos amortecer  os impactos sociais que assolam a humanidade. Vestir é um ato de resistência que não combina com o consumo desnecessário.

Vista-se do que te faz bem e desapegue-se do que não faz mais sentido.  

Vista o coração. Cante uma canção.


¹O termo população negra foi ressignificado como autoafirmação de identidade racial, a partir do movimento negro.

Jane Gomes é empreendedora de moda, criadora da Cabrocha,  Graduada em Moda e Figurino e Pós graduada em Design de Estamparia

 

 

Leia Também: 

Racismo: a moda que nunca sai de moda (ou Por que prefiro colete à jaqueta?)


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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