Racismo e sexismo causam desigualdade – por Nilza Iraci

Dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE) em 2010 revelam que o Brasil é um país habitado por uma população de 191 milhões de pessoas. A população negra soma 97 milhões de pessoas e, pela primeira vez, é maioria no Brasil. As mulheres negras representam 49 milhões do total das brasileiras.

Trata-se de um contingente popu­la­cional exposto a diferentes formas de violência e mecanismos de exclusão dentro e fora das políticas públicas em decorrência da força com que o racismo, o sexismo e a lesbofobia incidem – e estruturam – a sociedade brasileira.

Ser mulher negra significa muitas coisas diferentes, porém tem em comum fortes marcas decorrentes da existência do racismo, que cria um conceito e uma hierarquia de raça, que, aliado ao sexismo, tem produzido historicamente um quadro de destituição, injustiça e exclusão.

As mulheres negras estão entre o segmento populacional que vivencia a situação de maior pobreza e indigência do país. Possuem menor escolaridade, com uma taxa de analfabetismo três vezes maior do que as mulheres brancas, além de uma menor expectativa de vida. São trabalhadoras informais sem acesso à previdência, residentes em ambientes insalubres e responsáveis pelo cuidado e sustento de seu grupo familiar. 60 por cento das famílias chefiadas por mulheres não possuem rendimentos ou sobrevivem com rendimento inferior a um salário mínimo.

Entre as diferentes ocupações exercidas pelas mulheres negras no Brasil, com maior destaque para a atuação no setor de serviços, são exer­ci­das com alto grau de in­for­ma­li­dade e em condições de exploração de mão de obra e baixos rendimentos. O trabalho doméstico cor­res­pon­de a aproximadamente quatro milhões de negras num universo estimado de cerca de sete milhões de trabalhadoras domésticas em atividade no país. As meninas negras representam cerca 75 por cento das trabalhadoras domésticas infantis, vivendo em regime de semiescravidão nas casas grandes modernas.

As mulheres negras contribuíram de forma inquestionável para a construção socioeconômica e cultural do país e têm participação decisiva nas conquistas de direitos das brasileiras. Sua luta contra o racismo e o des­mas­ca­ra­mento do mito da democracia racial têm conquistado o envolvimento e o comprometimento de outros setores da sociedade civil. Cabe destacar ainda o protagonismo especial das mulheres rurais e das quilombolas na árdua luta para a preservação e ti­tu­lação de suas terras e por um desenvolvimento sustentado para suas comunidades.

Há muito tempo, a mobilização política das mulheres negras tem apontado para o reconhecimento do papel do Estado na produção de ações capazes de reduzir o impacto que o racismo, o sexismo e a lesbofobia têm em suas vidas. Entretanto, o Estado não tem sido eficiente na construção de políticas capazes de enfrentar as discriminações e as demais ini­qui­da­des que excluem uma grande parcela da população brasileira, impedindo seu acesso às políticas sociais. Embora a implementação de algumas políticas para a questão racial, elas ainda não têm sido suficientes para produzir alterações significativas e imediatas na vida das mulheres negras.

A partir da consciência de sua dignidade, as mulheres negras, a despeito da profusão de violências, desvalorizações e violações de direitos que as atingem, permanecem atuantes de forma protagônica. A história das mulheres negras é, ao fim e ao cabo, a história da construção da democracia no país, pois uma nação democrática implica dar lugar a várias vozes e olhares muitas vezes silenciados e encobertos por mecanismos de discriminação.

As mulheres negras acreditam que a luta contra o sexismo, o racismo e todas as formas de preconceito é tarefa de todas as pessoas que acreditam na construção de uma sociedade justa e igualitária, onde todas as pessoas possam viver com dignidade e prazer.

* Presidenta do Geledés – Instituto da Mulher Negra e da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras em São Paulo(SP)

Fonte: Revista Novolhar

 

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