Mulheres pretas são as que mais reconhecem raça, cor e etnia como o principal motivador de violência na escola e são as que mais sofrem agressão, tanto física quanto psicológica, nesse ambiente. Ou seja, são elas as que mais sofrem com os efeitos do racismo nas escolas.
O dado foi revelado pela pesquisa “Percepções sobre o Racismo no Brasil”, encomendado pelo Instituto Peregum e pelo Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) ao IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica).
Trata-se de uma pesquisa de opinião lançada em julho deste ano, mês em que se comemora o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Os dados do levantamento voltaram a ressoar na minha mente ao assistir uma entrevista concedida pela artista Patrícia Ramos à influenciadora Blogueirinha, em que ela conta como conviveu cotidianamente com o racismo na escola.
Afinal, por que naturalizamos as violências raciais, sobretudo contra mulheres pretas, nos ambientes escolares?
Nessa pesquisa de opinião é possível observar a percepção da população brasileira sobre diversos aspectos relacionados ao racismo.
Aqui destaco o que tange os ambientes escolares sobre as diversas formas de violência. Mulheres pretas são as que mais percebem raça e cor como principais motivadores de violência na escola. Elas representam 63% do total de mulheres que identificam o racismo como causa de agressões.
Outras revelações impressionam: das mulheres, são as pretas que mais dizem sofrer ou terem sofrido violência física na escola, representando 25% das respostas, seguido de mulheres pardas, 17%, e das mulheres brancas, 13%.
Quanto à violência psicológica, também são elas, as mulheres pretas, que aparecem com percentual alto, sendo 25% das que responderam passar por isso. Para as mulheres pardas e brancas o índice é igual, 19%.
Um aspecto especialmente marcante desse estudo é a constatação da urgência de se repensar o sistema educacional do Brasil. Darmos um maior foco às escolas como locais de socialização e construção de conhecimento é ponto central na luta contra o racismo.
Em meio a risadas descontraídas durante entrevista, a história compartilhada pela atriz Patrícia Ramos mostra como se tornou comum transcender a dor com um “sorriso negro”, parafraseando dona Ivone Lara.
Ao expor os traumas enfrentados em sua jornada educacional, a também apresentadora ecoa como seu exemplo doloroso é o mesmo experienciado por muitas outras pessoas negras (pretas e pardas).
“Eu sofri muito bullying, muito racismo durante toda minha infância e adolescência. Era bem maltratada por pessoas na escola”, contou Patrícia.
Ela relatou ter vivido situações de agressão, como ter o seu cabelo puxado, terem colado chiclete em sua cadeira e até mesmo ter conseguido escapar de uma armação em que o objetivo seria acusá-la de roubo.
Quantas mulheres pretas não vivenciaram isso no seu dia a dia? Quantas não desistiram de seguir com os estudos por conta dessa cultura de violência no ambiente escolar?
Voltemos à pesquisa, que analisa as percepções sobre racismo no Brasil e oferece um panorama instigante e, muitas vezes, alarmante do ambiente educacional no país.
Os dados levantados revelam que, apesar dos avanços em alguns aspectos, há uma série de desafios a serem enfrentados para garantir uma educação livre de violência.
Outro ponto relevante é a necessidade da priorização do debate sobre o racismo nas escolas. O estudo mostra que 42% das pessoas entrevistadas informaram ter aprendido sobre o tema durante sua formação, mas consideraram a abordagem não tão adequada.
Do total entrevistado, 47% consideram que o tema foi abordado de forma muito adequada, 42% consideram que o tema foi abordado de forma pouco adequada e 10%, que o tema foi abordado de forma nada adequada.
A pesquisa ressalta ainda como é preocupante observar que temas igualmente essenciais, como história e cultura afro-brasileira, história e cultura indígena, e questões de gênero, são percebidos como menos relevantes pelos respondentes.
O levantamento revela ainda uma realidade alarmante quanto à violência nas escolas. Os dados apontam para a existência de violência física, psicológica, moral, patrimonial e até sexual no ambiente escolar.
Grupos criminalizados, como pessoas pretas, mulheres e pessoas com deficiência, são os mais afetados por essa violência, segundo a pesquisa. As constatações do levantamento são um lembrete da necessidade de transformações profundas no sistema educacional brasileiro.
A formação de professores, a atualização dos currículos e o fomento a debates abertos e respeitosos sobre questões de gênero, raça e sexualidade devem ser considerados pilares fundamentais nos sistemas de educação pública e privada.
O trabalho é da sociedade, mas sobretudo de gestores educacionais e formuladores de políticas públicas, para que atuem em conjunto para transformar a educação em espaço de aprendizado, respeito e tolerância.
Midiã Noelle
Jornalista, mestra em cultura e sociedade, idealizadora da COMMBNE (comunicação baseada em inovação, raça e etnia)