“Toda e qualquer violação policial será alvo de nossa inquietude” diz Jesus dos Santos

Enviado por / FontePor Kátia Mello

Artigo produzido por Redação de Geledés

Jesus dos Santos é co-deputado da Mandata da Bancada Ativista e membro das organizações Periferia é o Centro, Movimento Cultural das Periferias, Frente Favela Brasil e da Nova Frente Negra Brasileira.
Santos encabeça a iniciativa “Abordagens Policiais – Perpetuação do Racismo Estrutural” que reúne 20 organizações para tratar dessa temática. Na última quinta-feira,12, ativistas de direitos humanos e parlamentares realizaram o 3°encontro da organização na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) para discutir o assunto.
Como explica o ativista, nessa entrevista à coluna Geledés no debate, entre as intenções da organização está a potencialização das rede de denúncias sobre a violência policial; outra proposta é lançar uma campanha no Estado de São Paulo de combate a violência e de valorização à vida.
Jesus dos Santos
Foto: Ingrid Felix
Geledés – Qual a relevância de se debater as abordagens policiais neste momento junto aos parlamentares?
Esse é o real papel do Parlamento, diante do aumento do genocídio explicitado, dos dados em que apontam crescimento de pessoas mortas por policiais militares no Estado em 2019. É fundamental que os parlamentares reflitam e hajam a partir das estatísticas já existentes, elaborando políticas públicas de Segurança que garantam a vida. Na verdade, esse deveria ser o papel da Segurança Pública de nosso Estado. Este debate deve ser agenda e ação relevantes para o Parlamento. Olhar para frente é atuar numa redução drástica de pessoas mortas em confronto e, diga-se de passagem, para ambos os lados. É assim que podemos construir uma sociedade pautada na cultura de paz, com segurança pública humanizada e humanizadora.
Geledés – Segundo o pesquisador Emerson Ramayana, a chamada ‘Fundada Suspeita’, termo utilizado para se referir à abordagem policial, a população negra é sempre apontada como a mais suspeita de ações criminais pelos agentes públicos do Estado. De que forma seria possível reverter esse processo, considerando-se o racismo institucional e estrutural no Brasil?
Para que a população preta e periférica deixe de ser o alvo das abordagens policiais é necessário o esforço de toda a sociedade para a elaboração de saídas concretas. Vivemos em uma sociedade onde o racismo institucional e estrutural está internalizado desde o primeiro colonizador que pisou por essas terras, quando se iniciou o genocídio das populações originárias, aprofundando-o com a vinda de escravizados da África para cá, para trabalharem nas lavouras de cana-de-açúcar, na mineração, na agropecuária. Hoje se perpetua uma violência institucional de forma “velada” nessa escalada do fascismo em nossa sociedade. O racismo se apresenta em várias nuances e, nesse sentido, o que se propõe neste encontro sobre a abordagem policial, que acontece na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, é fazer um esforço já feito por nossos ancestrais há tempos, para dar continuidade a um processo de luta pela libertação das populações marginalizadas e promovendo, assim, a dignidade da vida humana.
“O Parlamento tem a responsabilidade de elaborar políticas públicas que visem o aperfeiçoamento da Segurança Pública”
Geledés – Para explicar a violência da Polícia Militar, o mesmo pesquisador indica que o processual penal do Brasil foi “inspirado no código processual italiano da década de 30, a qual na Itália vivia-se o regime fascista”. Quais medidas deveriam ser implementadas para reverter essa lógica?
Para reverter essa lógica, sem sombra de dúvidas, é fundamental entender que ela é parte de uma origem escravocrata e se reformulou no período da ditadura militar. Nos dias atuais, é o principal aparato do Estado para continuar aprofundando o projeto genocida das populações pretas, indígenas e periféricas do nosso país. Do ponto de vista prático, embora muitos digam por aí que o que está escrito no protocolo não seja nada demais, abrir essa caixa branca que há 25 anos está sob sigilo é fazer que se torne público essa discussão.
Essa caixa contém a estrutura racista que nos dias de hoje tem permitido diversas violações policiais. Estabelecer uma segurança pública humanizada e humanizadora é uma das principais tarefas que temos pela frente. Porém é importante lembrar que as problemáticas dessa sociedade completamente desumana e desigual só se resolverá quando políticas de educação, cultura, acesso à moradia, acesso a renda e condições reais de mobilidade social existirem.
Geledés – Entre as possíveis medidas anunciadas pela frente está a potencialização de redes de denúncias sobre a violência policial. De que forma essa medida impactaria sobre a população negra? Quais outras iniciativas que se pode esperar desses encontros?
Existem instrumentos de denúncia que são lutas do próprio movimento social, como, por exemplo, a defensoria, o SOS Racismo e a ouvidoria, embora o Estado hoje queira cada vez mais constranger vítimas, colocando no Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) membros da polícia militar ou até mesmo a recente notícia do desejo da Secretaria de Segurança Pública em instalar a Ouvidoria da Policia no prédio da Segurança Pública. Isso é inibir qualquer vítima de fazer denúncias. Reforçar a defesa e a autonomia dessas ferramentas é garantir, inclusive, o estado democrático de direito.
Agora o que o grupo tem pensado é de potencializar ferramentas da sociedade civil como os observatórios da PUC (OVP), da USP ou da experiência Salve Sul, na zona sul de São Paulo, propagando essa iniciativa por todo Estado de São Paulo. Esperamos que a sociedade civil e as vítimas sigam contando com essa rede de apoio e denúncia. Essa possibilidade permite que essas denúncias sejam sistematizadas com dados que possam contrapor os apresentados pelo Estado, subsidiando a formulação de políticas públicas.
“Vivemos em uma sociedade onde o racismo institucional e estrutural está internalizado desde o primeiro colonizador que pisou por essas terras, quando se iniciou o genocídio das populações originárias.”
Geledés – As abordagens policiais são conduzidas por funcionários do Estado, sejam eles pertencentes à esfera municipal ou estadual. Como a população negra, dentro de seus direitos constitucionais, poderia ter acesso ao controle de regulação sobre os mecanismos de segurança do Estado em relação a essas abordagens?
Ação policial é uma ação pública e toda e qualquer ação pública deve estar submissa ao controle social, afinal como rege a Constituição de 1988, é do povo que emana todo o poder. Então, fiscalizarmos e temos acesso ao funcionamento das polícias é fazer com que elas sejam aperfeiçoadas e garantidoras de vidas. Podemos potencializar os organismos de controle para que tenham condições reais de dar conta da alta demanda, com câmeras nos carros acoplados no corpo dos policiais e nas viaturas – uma realidade vista em diversos programas televisivos e que pode fazer com que torne a polícia mais efetiva. Alguns especialistas apontam para a criação de uma corregedoria civil, órgão autônomo da sociedade civil, lembrando que o próprio MP tem um papel fundamental no controle das polícias.
Geledés – Os índices de mortalidade causados pelas abordagens policiais no Brasil só aumentam, principalmente em relação à população negra. De que forma os parlamentares, as organizações civis e a sociedade como um todo podem contribuir para uma efetiva mudança desse quadro?
O Parlamento tem a responsabilidade de elaborar políticas públicas que visem o aperfeiçoamento da Segurança Pública, garantido a preservação da vida, a reinserção de indivíduos outrora encarcerados e fazendo com que a sociedade civil possa, efetivamente, ter o controle social como práxis. Cabe ainda aos parlamentares barrar todo e qualquer projeto que aprofunde a crise do sistema de segurança e carcerário. Já o papel da sociedade civil é continuar cumprindo a fiscalização, propositiva e de embate para que consigamos estabelecer uma sociedade justa e equivél.
Geledés –  A política de repressão ao crime, que leva o nome de combate às drogas, está vinculada a um recente fenômeno: o armazenamento de dados de jovens negros considerados “suspeitos”. Como essa temática está sendo tratada pela frente “Abordagens Policiais – Perpetuação do Racismo Estrutural”?
Toda e qualquer violação policial será alvo de nossa inquietude e será tratada da melhor forma possível! Policial bom é o policial que garante vidas e não o policial que comete algum tipo de crime.
“As vidas ceifadas trazem sofrimento as famílias que não terão mais os seus entes queridos, para além de muitos serem os responsáveis por trazer comida para dentro de casa” 
 
Geledés – A letalidade da Polícia Militar no último ano no Rio de Janeiro chegou ao índice recorde de 1.546 mortos em 2019. Qual impacto dessa mortandade na população negra e qual discussão deveria ser feita encabeçada em relação a esse tema?
As vidas ceifadas trazem sofrimento as famílias que não terão mais os seus entes queridos, para além de muitos serem os responsáveis por trazer comida para dentro de casa! De alguma forma impacta também na economia, por que esses jovens pagam impostos, são contribuintes dessa sociedade que os mata!
Geledés – Quais diretrizes serão levadas em consideração no momento de se elaborar um documento como resultado dessas reuniões com parlamentares?

Para produção desse documento que tem por objetivo se tornar um projeto de lei será levado em consideração todo o acúmulo dos movimentos sociais que já travam essa luta há muito tempo. A ideia é reverberar as lutas das Mães de Maio, dos movimentos antiproibicionistas, dos movimentos negros e de direitos humanos, entendendo, inclusive, que do outro lado tem trabalhadoras e trabalhadores que merecem melhores condições de vida, pois o entendimento é que essas pessoas também são vítimas desse sistema genocida.

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