Todo dia um golpe diferente.
Mas todo dia a mesma dor.
Eu não costumo comentar com frequência nas redes sociais os crimes de racismo que temos conhecimento rotineiramente. Porque isso me fere. Fere saber o quanto o racismo bloqueia, o quanto humilha, o quanto mata. No texto que escrevi dias após o meu pai falecer, porque a escrita é uma terapia para mim, eu disse: eu sou uma pessoa que sinto, muito, sempre. Sinto pelas dores do mundo, as dores do outro, as minhas próprias dores.
Eu sigo sentindo, muito, sempre. E um sentir que me dilacerou esta semana foi a morte do jovem Moïse Mugenyi, de 24 anos. Vindo ainda criança do Congo, refugiado ao lado da família, foi vítima da brutalidade, racismo e xenofobia em um quiosque no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa. Maravilhosa para quem?
Sou jornalista, mas não consegui assistir integralmente às cenas cruéis do espancamento exibidas na reportagem do telejornal. Cenas injustas, violentas, desiguais, desumanas. Refletem aquilo que é sempre doloroso de ver. E é inevitável questionar: vocês conseguem imaginar um homem branco sendo alvo daquela forma? Vocês conseguem imaginar um homem branco europeu sendo agredido daquela maneira? Foi um crime com cor, origem e continente.
E aí eu volto à campanha “Imagine a dor, adivinhe a cor”, que sempre me vem à mente quando ouço algum fato violento. Às vezes, muitas vezes, enquanto escuto a notícia de algo brutal já imagino: foi contra uma pessoa negra.
Há algumas semanas, eu vi um post no Instagram sobre uma médica que impediu que uma mãe entrasse com os dois filhos no consultório, deixando uma das crianças chorando sozinha do lado de fora da sala. Na ocasião, escrevi no Twitter:
Isso é desumano e de uma crueldade. Eu não consigo parar de pensar na campanha “Imagine a dor, adivinhe a cor”. Em casos assim, a cor é sempre a da pele negra. Aí, eu me lembrei da médica Laurinete, que é uma das personagens retratadas no Negra Sou. Ela conta que atendia os pacientes como se fossem seus filhos.
Precisamos de mais médicas e médicos negros, que também se enxerguem no paciente e cuidem de cada um com o respeito que merecem, que todos nós merecemos. Essa notícia me partiu o coração e embrulhou o estômago. É um retrato que precisa mudar
Esses são apenas dois dos tantos casos e crueldades que o racismo opera no dia a dia. Eu não consigo comentar com frequência os crimes que temos conhecimento rotineiramente. Porque isso me fere. Fere saber o quanto o racismo bloqueia, o quanto humilha, o quanto mata. E reviver isso todas as vezes enquanto escrevo e reflito é doloroso.
Eu agradeço a quem tem a disposição de estar sempre na linha de frente, lutando, apontando, discursando publicamente. Vocês são heróis, do presente e do futuro.
Mesmo me permitindo os momentos de reclusão, o sentimento permanece. A busca por justiça também.
Todo dia um golpe diferente.
Mas todo dia a mesma dor.
Minibio
Jaqueline Fraga é escritora, jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco e administradora pela Universidade de Pernambuco. Apaixonada pela escrita e pelo poder de transformação que o jornalismo carrega consigo, é autora do livro-reportagem “Negra Sou: a ascensão da mulher negra no mercado de trabalho”, finalista do Prêmio Jabuti, e do “Big Gatilho: um livro de poemas inspirado no BBB 21”. Pode ser encontrada nas redes sociais nos perfis @jaquefraga_ (Instagram e Twitter) e no @livronegrasou (Instagram). Escreve por profissão prazer e terapia. Escreve porque respira, respira porque escreve.
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