Cena clássica de shopping: você está andando com as pernas bem torneadas que Deus te deu, quando se depara com a cena lastimável da instituição falida que é a família. A mãe está meio descontrolada, aparentando sinais contundentes de choque por terror, o pai olha para os lados, buscando um possível olhar de repulsa ou quem sabe a resposta para como educar aquele pequeno ser. Por fim, o óbvio, o horror, aquilo que seu olhar se distanciou no primeiro momento por instinto de preservação: a criança jogada no chão, roxa, babando, com o pescoço virado no melhor estilo Exorcista. Geralmente está gritando “Eu quero” ou “Não, não vou”.
Por Paola Rodrigues no Temos que falar sobre Isso
E tu, um ser centrado, maduro, no completo controle de sua vida pensa [e um dia irá verbalizar] “Nossa, meu filho jamais fará isso!” ou quem sabe “Isso é falta de pulso filme”.
Te digo uma coisa caro leitor, o único punho que conhecerás será o da vida, regiamente plantado entre sua raiz capilar e nariz.
Sim, já pensei isso. Sim, já verbalizei. Sim, adorava tirar vantagem das situações onde mães passavam por isso, era uma forma de me autoafirmar como a ótima mãe que seria. Mas o tempo passa, aquele lindo bebê que você achava que dava trabalho descobre que limite existe. E ele existe para ser arduamente testado. Exaustivamente flexionado. Integralmente esmurrado para dentro da sua realidade.
Todos sabem que junto com o Boi Tatá, Cuca e Saci Pererê, as crianças povoam o folclore brasileiro no papel de aterrorizar. A criança do shopping poderia ser tema de filme de terror, porque é isso que somos ensinados desde cedo: crianças são o terror. Ou melhor, não tenha filhos! Choro, gastos exorbitantes de dinheiro, peito rachado, parto traumático, casamento falido… Filhos é o oposto de sucesso profissional, financeiro e pessoal.
Hoje em dia, sempre que vejo essa cena, minha vontade é ir até a mãe, abraça-la e chorar junto “Eu sei, querida, dá vontade de pular da janela… Mas olha… Isso… Chora… Solta essa angústia… Eu sei, também já fui aquela moça ali da esquina da loja de sapatos”.
Afirmo com total convicção que para mães mais felizes é necessário uma sociedade que pare de elevar a maternidade ao ato divino de ser feliz num mundo cheio de algodão doce. Dizem que a maternidade é linda, cheia de coisas maravilhosas, ao mesmo tempo que uma outra parcela prega a demonização da infância. Além de ser uma baita contradição, colocam as mães e pais num lugar onde sofrer é um ato de felicidade.
Me fala, quando você quebrou o braço: foi legal?
Quando bateu o carro e teve que gastar o dinheiro das férias: foi o auge da sua realização?
Então deixe as mães e pais serem infelizes. O velho “Aceita que dói menos” é a máxima realidade.
Essa cultura semeou pais que mentem sobre seus real estado de espirito e assim se sentem cada vez mais oprimidos. Como se fosse errado não querer chorar junto com o filho quando ele tenta pela milésima vez pegar o sapato de 400 reais da loja ou joga o prato de comida no colo da visita. É normal. É fase. Vai passar. Mas enquanto está acontecendo é horrível.
A forma como aquele pai e mãe irá educar o filho é realmente problema dele, mas é problema nosso o que fazemos com a instituição “criar filhos”.
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Nunca na minha vida soube tanto a diferença entre teoria e prática. Na teoria sei que minha filha está testando os limites quando tenta enfiar o dedo na tomada pela quinquagésima vez no dia, mas no número cinquenta um, mim, que já começa a conjugar errado verbo, adulta e extremamente conhecedora da teoria, solta um grito de “Você vai tomar choque para aprender menina!”. Vou lá e tiro, mas na minha imaginação, foi diferente.
Por observação [no espelho] e dos casais que vejo, os primeiros cinco anos da criança é meio… contundente. Se houver casamento no meio, chamaria de homicídio culposo, sem intenção de matar, mas que mesmo assim esfaqueia o controle no peito.
Seu filho é o anjinho que você pôs no mundo e provavelmente aquele texto rosa, linda, diiiivinoh, estava encobrindo os fatos. Crianças não são ruins, eles só estão descobrindo realmente – realmente mesmo – o mundo e com isso vem todos os testes e experimentos perigosos que você vai eventualmente não permitir. Ensinar a controlar os rompantes de frustração e raiva e desenhar formas menos perigosas de se divertir. A infância é mesmo linda, principalmente se você souber entender os momentos que a chuva caí torrencialmente sobre o paraíso.
É normal. Podemos falar sobre isso. Você pode se sentir infeliz. Você pode chorar.
Vem cá, vamos nos abraçar na porta do shopping.