“Uma OAB antirracista é a que assegura a participação de 30% a advogados negros e advogadas negras”

Enviado por / Fontepor Kátia Mello

Artigo produzido por Redação de Geledés

André Costa, advogado e consultor especializado em direitos políticos e direito eleitoral e Conselheiro Federal da OAB (2019/2022), onde preside a Comissão Especial de Advocacia Municipalista, é autor da proposta, em tramitação, de implantação de ação afirmativa na OAB com a finalidade de reservar 30% das vagas dos órgãos, dos cargos e na direção da Entidade para advogados negros e advogadas negras, pelo período de 10 (dez) mandatos. Também é dele a proposta, aprovada no último dia 17 deste mês, de instituição do “Prêmio Luiz Gama da OAB Nacional”. Ambas porpostas foram apresentadas ao Conselho Federal da OAB.

 Costa tem quase 25 anos de atuação em campanhas e Justiça eleitorais. Hoje é diretor da Comissão Especial de Estudos da Reforma Política e membro das Comissões Especiais de Direito Eleitoral e de Avaliação das Eleições no Sistema OAB. Nesta entrevista à coluna Geledés no debate, o advogado, o único conselheiro federal da OAB autodeclarado negro, discorre sobre os caminhos para combater o racismo dentro do sistema judiciário, e reflete sobre os impactos de sua trajetória pessoal na luta travada dentro das instituições jurídicas.

O advogado recebeu a “Medalha do Mérito Eleitoral” pelo TRE/CE (2015) e foi agraciado pela “Medalha Deputado Aroldo Mota” pela Assembleia Legislativa do Ceará (2019), ambas por sua atuação profissional.

Geledés – Entre os 81 conselheiros da OAB, o senhor é o único negro. Fale-nos um pouco sobre sua trajetória pessoal e profissional, seus percalços, suas conquistas.
E o que diria a um jovem negro que gostaria de seguir seu caminho? 

Na realidade, sou o único autodeclarado negro dentre os 81 conselheiros e conselheiras federais. Para mim essa é uma questão essencial. Afirmar-se negro, em um país racista como o Brasil, é uma atitude individual com repercussão coletiva e política que valoriza e reconhece a história, a coragem e a dignidade humana da população negra. Demonstra que é necessário, diariamente e de todas as formas, combater as desigualdades raciais, o racismo estrutural, institucional e individual. Sempre imagino a repercussão e o exemplo positivos para a autoestima das crianças negras e dos adolescentes negros quando uma pessoa negra se destaca no seu meio social. Como todo e qualquer ser humano, nós negros precisamos de referências.

Tenho 48 anos. Filho de pai e mãe cearenses, nasci no Rio de Janeiro, onde eles foram trabalhar e onde morei até os 4 anos. Estudei em escola pública estadual e cursei a graduação em direito numa universidade privada no Ceará. Durante o curso participei ativamente do movimento estudantil: fui secretário-geral (1991/1992) e presidente (1992/1993) do Centro Acadêmico e Coordenador Nacional dos Estudantes de Direito (1993/1994). Conheci todos os estados do Brasil e as diferentes realidades do nosso país. Essa experiência marcou e provocou profundas mudanças na minha visão de mundo. Por isso, faço questão de destacar. Somos resultados de nossas experiências: “A cabeça pensa por onde os pés pisam” (Frei Betto). Sou a primeira pessoa da minha família a concluir um curso superior (1995). Depois de mim outros familiares também superaram a barreira e ingressaram e concluíram cursos de graduação, em variadas áreas. Hoje já temos até uma professora doutora na família, com doutorado pela UNB.

No final de outubro completarei 25 anos de exercício da advocacia. Advogo na área do direito público, com especialização profissional em direitos políticos, direito eleitoral e direito partidário. Nesse tempo, quase sempre residindo em Fortaleza, advoguei nos órgãos da Justiça Estadual, da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral cearenses e também no Tribunal Superior Eleitoral. Muitas histórias e acontecimentos positivos marcam minha trajetória profissional, mas quero resumi-los em dois fatos marcantes para mim, os quais, ao meu ver, resumem as vitórias, as derrotas, as dificuldades e as superações: em 2015, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, por unanimidade, me agraciou com a “Medalha do Mérito Eleitoral”, único advogado homenageado na ocasião. Ainda tive a satisfação de falar em nome dos demais homenageados – membros do Ministério Público e da Justiça Eleitoral – na sessão solene de entrega da comenda; e em 2019, a Assembleia Legislativa do Ceará, formada por parlamentas de diferentes partidos e vínculos ideológicos, à unanimidade, resolveu me homenagear com a “Medalha Deputado Aroldo Mota”. Sou a primeira pessoa agraciada com essa premiação, desde sua criação, cujo objetivo é reconhecer profissionais que se destacam em sua atuação no âmbito da Justiça Eleitoral. Dois importantes e inesquecíveis reconhecimentos públicos motivados pelo meu exercício profissional.

Não tenho dúvidas que tive muitas conquistas na minha trajetória pessoal e profissional. Todavia, não me esqueço das dificuldades causadas pelo preconceito e pela discriminação racial. As palavras, os gestos e as reações. Aprendi a me defender e a enfrentar qualquer manifestação racista. Jamais aceitei qualquer referência racial que fosse para degradar ou diminuir qualquer pessoa negra. Tenho certeza que o meu desempenho profissional e a coragem de ocupar os espaços públicos ou privados – quebrando os padrões existentes em espaços dominados por e naturalizados como de pessoas brancas – me fizeram muito mais forte e chegar até onde eu cheguei. É claro que tenho muito a conquistar, mas sou feliz pelo que sou e pelo que fiz.

O que eu diria para um jovem negro? Não desista, jamais! Não é fácil, mas resistir e seguir em frente é a única saída possível e adequada. Primeiro: fique vivo e aprenda a enfrentar o racismo. O extermínio da juventude negra é uma realidade inegável. Se alguém ainda tem alguma dúvida, dedique parte do seu tempo a ler as matérias e artigos postados no site do Instituto Geledés. O sistema criminal é seletivo e racista. Essa lógica perversa precisa ser alterada imediatamente. Segundo: use todas as suas forças, inteligência, criatividade para não abandonar os estudos nem a escola. Terceiro: exija seus direitos em todos os espaços, lugares e instituições. Nenhum direito a menos. O lugar da pessoa negra é onde ela quiser estar. Por isso, os jovens devem exigir políticas públicas gerais e especiais que garantam vagas para as pessoas negras na educação, no mercado de trabalho e nos serviços públicos.

A OAB tem a prerrogativa de ingressar com ações constitucionais para questionar e invalidar deliberações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dequalquer instância. A força e o potencial da OAB são enormes e parcela da população não sabe.” 

Geledés- O que seria exatamente uma OAB antirracista? E o que deve ser feito para que a OAB seja reconhecida como antirracista? 

A ativista e filósofa norte-americana Ângela Davis apontou o caminho de forma simples e objetiva: “Numa sociedade racista não basta não ser racista. É preciso ser antirracista”. Noutros termos: é preciso que todas as pessoas e instituições não racistas tenham ações concretas para eliminar as práticas racistas externas e internas. A diferença central será a atitude baseada em ações concretas. É imprescindível que essas pessoas e instituições atuem de forma objetiva e direta para combater o racismo individual, institucional e estrutural.

A atuação da OAB em defesa e promoção dos direitos humanos e, especificamente, em defesa das ações afirmativas e das cotas raciais para pessoas negras, é histórica. Todavia, a OAB precisa avança e eliminar o racismo institucional que existe no âmbito interno. Por isso, apresentei a proposta de reserva de 30% de vagas nos órgãos (Conselho Federal, dos Conselhos Seccionais, das Subseções e das Caixas de Assistência dos Advogados), cargos e direção da Ordem para advogados e advogadas negras, pelo período de 10 mandatos.

No caso da OAB – que defendeu ativamente a constitucionalidade da reserva de vagas por critérios étnico-raciais (cotas raciais) no ensino público superior, em 2012, e nos serviços públicos, inclusive nas Forças Armadas brasileiras, em 2017, perante o Supremo Tribunal Federal (STF) – já passou do momento de implantar mecanismos internos que assegurem a diversidade e a representatividade na ocupação e no exercício de todos os seus órgãos, cargos e funções por advogados negros e advogadas negras.

Uma OAB antirracista, hoje, é aquela que assegura a participação de, pelo menos, 30% de advogados negros e advogadas negras, nos seus órgãos deliberativos.

Geledés – De que maneira a aprovação de sua proposta pelo Conselho Federal da OAB poderá contribuir para a luta antirracista no país? 

A OAB é maior entidade de classe do mundo. No último dia 11 de agosto (Dia da Advocacia), a Ordem tinha 1.201.708 inscritos. Desses, 603.383 são advogados (50,21%)e 598.325 (49,79%) são advogadas. Nos últimos 05 anos ingressaram na entidade 407.164 bacharéis em Direito, sendo 230.476 advogadas e 176.688 advogados. Hoje existem 1.776 cursos jurídicos e 863.161 estudantes de direito no Brasil. A Constituição Federal de 1988 colocou a atuação da advocacia em patamar constitucional ao estabelecer no seu art. 133 que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, integrando as funções essenciais à Justiça.

A Ordem indica advogados/advogadas para atuarem como juízes/juízas de Tribunais Estaduais (desembargadores estaduais), de Tribunais Federais (desembargadores federais) e de Tribunais Superiores (ministros do Tribunal Superior do Trabalho – TST, Superior Tribunal Militar – STM e Superior Tribunal de Justiça – STJ) e conselheiros do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, estas duas últimas, “instituições públicas que visam aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário e do ministério público brasileiros, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual”. A OAB tem a prerrogativa de ingressar com ações constitucionais para questionar e invalidar deliberações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de qualquer instância. A força e o potencial da OAB são enormes e parcela da população não sabe.

Diante de tudo o que eu coloquei, viabilizar a participação de advogados negros e de advogadas negras nos cargos, nos órgãos e na direção da OAB não se resume às importantes questões de diversidade e de representatividade racial. Tratar-se, principalmente, de assegurar a participação de negros e de negras nas instâncias de decisão da maior entidade classista nacional e internacional. Certamente, quando a OAB aprovar a proposta que apresentei – acredito na solidariedade e no comprometimento da direção da OAB Nacional e dos 81 conselheiros e conselheiras federais da atual gestão com a eliminação de toda forma de preconceito e de discriminação contra pessoas negras – o exemplo da OAB irá repercutir nas demais entidades e instituições do Brasil e do mundo.

Como nos ensinou o advogado e líder Mahatma Gandhi, devemos ser a mudança que queremos ver no mundo. Se a OAB quer um mundo antirracista ela deve ser a primeira entidade a servir de exemplo. Este, nós sabemos, vale muito mais que palavras e discursos.

“O que eu diria para um jovem negro? Não desista, jamais! Não é fácil, mas resistir e seguir em frente é a única saída possível e adequada. Primeiro: fiquevivo e aprenda a enfrentar o racismo.” 

 Geledés- O racismo brasileiro, por vezes, é entendido como apenas um resquício da escravidão. Porém, há um processo evidente de manutenção e perpetuação do racismo estrutural e institucional nas diferentes instâncias dos poderes públicos, inclusive no Poder Judiciário. De que forma este Poder, majoritariamente branco, poderia olhar para essas questões? O que seria um Judiciário antirracista? 

O racismo brasileiro não é apenas resultado direto da escravização de pessoas negras por 358 anos. É resultado da arquitetura montada para excluir metade da população da distribuição da renda e da riqueza. As desigualdades raciais implicam nas desigualdades sociais, econômicas e jurídicas. As estatísticas oficiais demonstram a perversa realidade brasileira e a diferença entre negros e brancos. O mito da democracia racial brasileira há muito foi superado. A dura realidade é outra: a injusta e a desigualdade entre pessoas brancas e pessoas negras são explícitas.

E o racismo não é um problema dos negros. É um problema dos brancos que com ações e omissões perpetuam e reproduzem as desigualdades raciais, sociais e econômicas. Ainda assim, entendo que o protagonismo na luta contra o preconceito e a discriminação racial deve ser dos negros. E, ao mesmo tempo, exige a participação ativa e a solidariedade dos brancos não racistas, afinal quase a metade do Brasil é composto por pessoas brancas.

É fato que o Poder Judiciário é, quase plenamente, composto por não negros. Não é à toa que, após a decisão do STF considerando que a reserva de vagas para negros no ensino superior é constitucional, o CNJ publicou a Resolução nº 203, de 23/06/2015, que “dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura”. E o Edital de Abertura do I Concurso Público Nacional Unificado para Ingresso na Carreira da Magistratura do Trabalho, de 27/06/2017, teve previsão de vagas reservadas aos candidatos negros: 20% (vinte por cento) do total das vagas oferecidas. Essas importantes medidas não têm sido suficientes. O Judiciário deve implantar políticas internas que assegurem uma maior representatividade de juízes negros e juízas negras nos seus órgãos.

Portanto, uma Justiça antirracista é um Judiciário que, ao mesmo tempo, (1) estabelece mecanismos para promover a inclusão de pessoas negras como juízes e servidores, (2) implementa políticas de combate ao racismo institucional no atendimento do seu público alvo e (3) prepara o magistrado para que este não naturalize o lugar das pessoas negras na sociedade, reprima as violências sofridas pela população negra e assegura seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Em suma, um Judiciário que combata as diversas formas de manifestação do racismo estrutural no sistema de justiça e trate os brancos e os negros com isonomia, considerando a igualdade formal, a igualdade material e a igualdade como reconhecimento.

“A aprovação da instituição do Prêmio Luiz Gama da OAB Nacional é um merecido reconhecimento à trajetória de um brilhante e corajoso advogado. Luiz Gama é uma referência para toda humanidade.” 

Geledés- O Conselho Federal da OAB acaba de aprovar a instituição do Prêmio Luiz Gama da OAB Nacional, a partir de proposta apresentada pelo senhor. Qual a motivação para sua iniciativa e o impacto para a advocacia do país? 

Como é do conhecimento do Geledés, Luiz Gonzaga de Pinto Gama, conhecido como Luiz Gama, nasceu livre, na cidade de Salvador (BA), em 21 de junho de 1830, mas aos 10 anos foi vendido como escravo pelo próprio pai. A partir dos 17 anos aprendeu a ler e a escrever. Após conquistar a liberdade, torna-se escritor, poeta, jornalista, advogado, ativista abolicionista e republicano. Antiescravista, dedicou sua vida a libertar os escravizados negros, chegando a conseguir a libertação de mais de 500 pessoas até a sua morte, em 24 de agosto de 1882.

A trajetória de Luiz Gama – o qual somente foi reconhecido pela OAB como advogado 133 anos após a sua morte, em 2015 -, contada e resgatada em diversos livros, artigos, quadrinhos, vídeos e filmes (a serem lançados após o período da pandemia do coronavírus) – é um exemplo para os(as) advogados(as) e para qualquer pessoa, pois dedicou sua vida à lutar por igualdade, justiça social, dignidade da pessoa humana e ao combate das desigualdades raciais e do racismo. 

A aprovação da instituição do Prêmio Luiz Gama da OAB Nacional, no mês da advocacia, é um ato simbólico e representativo por parte do Conselho Federal da OAB, um merecido reconhecimento à trajetória de um brilhante e corajoso advogado. Luiz Gama é uma referência para toda humanidade. Esclareço que o Prêmio Luiz Gama, constituído de diploma e insígnia, será concedido uma vez a cada gestão (03 anos) e a entrega ocorrerá na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, o maior e mais importante evento da advocacia nacional. Os agraciados serão escolhidos pela Diretoria da Ordem e referendados pelo Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB.

Geledés – Acaba de ser lançado o livro “Lições de Resistência”, que compila, de forma abrangente e única, os artigos jornalísticos de Luiz Gama. Qual a importância de se dar luz à produção de intelectuais negros de nossa história? 

Inicialmente, manifesto publicamente a minha admiração pela produção da professora doutora Lígia Fonseca Ferreira, a maior estudiosa da vida e obra de Luiz Gama. Antes do lançamento do livro “Lições de Resistência”, em 2020, a professora organizou os livros “Com a palavra, Luiz Gama: poemas, artigos, cartas e máximas” (2011) e “Primeiras trovas burlescas. Luiz Gonzaga Pinto da Gama” (2000). São obras fundamentais para conhecermos as trajetórias e as ideias de Luiz Gama.

Não tenho a mínima dúvida de que seja fundamental lermos a produção de intelectuais e escritores (as) negros(as), nacionais e internacionais. Os efeitos são diversos. A desconstrução de fantasias e mentiras que nos contam, desde a nossa infância. O conhecimento de histórias e trajetórias que reforçam a autoestima das pessoas negras. E não menos importante, o fato em si, simbólico e representativo, de que o mercado editorial não é feito somente por e para as pessoas brancas. Repito: o maior efeito é perceber que o lugar das pessoas negras é onde elas quiserem estar e não os limites impostos pelo racismo e suas variações.

Permita-me um pequeno registro: acredito que deveria haver novas campanhas nacionais, estaduais e municipais exigindo o cumprimento, real e efetivo, em todas as escolas  do país, da Lei nº 10.639, de 09/01/2003, que alterou a LDB para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. É o primeiro passo para construirmos uma educação antirracista. Nelson Mandela nos ensinou um fato aparentemente óbvio, mas que merece ser reafirmado sempre: “Ninguém nasce racista. Se a criança pode ser ensinada a odiar ela também pode ser ensinada a amar”. Logo, é essencial que, paralelamente à outras ações e políticas públicas, voltemos a defender a efetivação do ensino da história e da cultura da população negra brasileira.

Geledés – Hoje muito se fala em “resistência”. Quais as lições que destacaria do advogado Luiz Gama para os nossos tempos? 

A coragem de enfrentar a ordem estabelecida. A força para lutar pela igualdade, liberdade e a dignidade de cada escravo ou escrava. A resiliência de quem não se abateu durante toda uma vida, mesmo tendo sido escravizado. A defesa intransigente da democracia ao ser abolicionista e republicano. A competência e a habilidade de utilizar a advocacia e o jornalismo para combater as violações aos direitos humanos e denunciar as injustiças sociais e raciais de sua época. Como disse acima, Luiz Gama é uma referência para humanidade. 

“O maior efeito (do reconhecimento da produção intelectual de negros e negras) é perceber que o lugar das pessoas negras é onde elas quiserem estar e não os de limites impostos pelo racismo e suas variações.” 

Geledés – Na última quinta-feira (20/8), o Tribunal Superior Eleitoral retomou o julgamento que discute a distribuição de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para candidatas e candidatos negros. Até agora, os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes já responderam afirmativamente a parte da consulta eleitoral feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), ou seja, no que se refere à distribuição de recursos do FEFC e de tempo de TV, os ministros defendem que deve ser proporcional ao total de candidatos negros que o partido apresentar. Qual a sua opinião sobre o assunto? 

A reserva de vagas para candidaturas negras em campanhas eleitorais depende de legislação específica, mas a distribuição dos recursos públicos dos Fundos Partidário e Especial e tempo na TV e no rádio dependem apenas de interpretação do Judiciário, como já decidiram o STF na ADI 5617 e o TSE na Consulta Eleitoral nº 0600252-18.  As instituições brasileiras refletem o racismo estrutural em nosso país. Não é à toa que, geralmente, inexistem iniciativas e políticas internas destinadas a promover a inclusão e a participação de pessoas negras em qualquer instituição pública ou privada. Eis o nosso racismo institucional. Nos partidos políticos não é diferente. Resistem há mais de 132 anos, mesmo aqueles que se dizem progressistas. Essa reação não é nova. A novidade será a implantação de ações afirmativas para gerar diversidade e representatividade de filiados e filiadas pretas e pardas nos órgãos de direção e nas candidaturas.

O discurso do “efeito contrário” é semelhante ao feito para evitar a libertação dos escravizados negros, a implementação das políticas afirmativas no ensino superior e no mercado de trabalho e fixação a cota de gênero na legislação eleitoral. Os possíveis “efeitos contrários”, ou seja, tentativas de esvaziar essa importante política antirracista em julgamento pelo TSE, certamente, serão denunciadas pelos interessados e combatida através dos meios políticos e judiciais adequados.

Como já afirmei, a reserva de vagas para candidaturas negras, igual às de gênero, está sujeita ao Legislativo. Já a distribuição dos recursos públicos dos Fundos Partidário e Especial e direito de antena dependem apenas de interpretação do Judiciário. Eu acredito que o TSE, formado por 07 ministros, vai aprovar essas medidas. Hoje, falta apenas um voto para formar a maioria. O julgamento favorável pelo TSE recoloca na ordem do dia o debate sobre a sub-representação de pessoas negras no espaço de poder e de decisão e sobre o subfinanciamento de suas campanhas eleitorais.

Não tenho dúvidas que a fixação de cota racial para pessoas negras nos órgãos partidários, nas campanhas eleitorais e nos parlamentos bem como na distribuição dos recursos dos fundos partidário e de financiamento de campanhas e no direito de antena é uma decisão justa, adequada e necessária e, em alguns anos, mudará a composição dos poderes legislativos.

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