A universidade pública é uma instituição branca, concebida por brancos e para brancos. Uma presença negra discente – por que entre os subalternos desse espaço já somos maioria desde sempre, que aumenta grandemente com a implementação das cotas – mesmo que nós ainda sejamos minoria, não passamos despercebido pela branquitude.
O racismo se manifesta tanto no campo estrutural – em uma reitoria que não implementa políticas de permanência estudantil – como na interação do cotidiano, naquela piada racista do professor em sala de aula. O racismo está presente entre os técnicos-administrativos, estudantes, professores e atravessa todo o espectro político, ligando os mais reacionários aos mais desconstruídos.
Enquanto nós negros precisamos lidar com o racismo no ambiente acadêmico e seus inúmeros desdobramentos, os brancos podem desfrutar da universidade em sua plenitude. Essa diferença gritante entre nós e eles acontece pelo fato deles terem tempo, dinheiro e contatos. O tempo faz com que eles possam estudar o conteúdo das disciplinas com folga, buscar atividades extra-classe na faculdade (fora dela também) e se integrar à ela em suas inúmeras possibilidades. O dinheiro permite a eles desde comprar os livros necessários até realizar um intercâmbio. Os contatos dão a eles acesso a informações e oportunidades que não vem a público, mas que só estão disponíveis nos círculos restritos da academia.
O que para os brancos é abundante, para os negros é ausência: não temos tempo, pois somos periféricos e nossas faculdades ficam horas de distância de nossas casas. Ou então precisamos trabalhar e estudar ao mesmo tempo (não raramente ambos os casos); não temos dinheiro, pois viemos de famílias empobrecidas; não temos contatos, já que para nossa ancestralidade o ambiente universitário é totalmente estranho e somos as primeiras gerações de nossas famílias a pisar lá. Nossos nomes e sobrenomes não são cheios de consoantes. Estão mais para Santos, Silva ou Souza. Em um ambiente onde os nomes “certos” abrem portas, os nossos que não dizem nada, não abrem porta alguma.
A despeito de tudo isso que foi dito acima, os negros resistem na universidade. Uma ferramenta que tem se mostrado fundamental para isso são os coletivos, que surgem tanto para nosso auto-cuidado como para fazer embates políticos na universidade. Agora, para além da existência de coletivos autorganizados, existe a necessidade de se fortalecer uma conduta política entre os negros inseridos na universidade: o compartilhamento do conhecimento.
Quando me refiro ao “conhecimento”, falo da categoria em seu sentido mais amplo, tanto de conteúdo teórico de um curso quanto de “vivência acadêmica”. Para a maioria dos nossos, a criação de um currículo Lattes ou o jeito correto de se escrever um artigo acadêmico está longe de ser algo óbvio, coisas que a universidade exige que qualquer estudante saiba. A diferença é que os estudantes brancos, que sempre transitaram naquele espaço, não tem qualquer problema em apreender essas exigências.
Uma vez que não temos o “capital social” daqueles que sempre transitaram na universidade, torna-se fundamental que o conhecimento de vivência acadêmica seja difundido por nós entre nós mesmos. Não podemos reproduzir a lógica acadêmica do individualismo e da competitividade na comunidade preta universitária. Esses são valores da branquitude. Deixemos que eles lidem com isso! Quando me refiro à “comunidade preta acadêmica”, isso vai dos funcionários terceirizados até os professores, ou seja, todos os pretos que tem algum tipo de vínculo com a universidade.
Para além de facilitar e tornar mais qualificada a permanência dos nossos dentro da universidade, o conhecimento – mais especificamente o teórico – precisa ser difundido para que nos apropriemos das discussões acadêmicas dentro de nossos próprios cursos. Esse conhecimento teórico não deve ficar restrito dentro dos cursos que fazemos parte, mas essas trocas devem transcender nossos campos de estudo, pois discutir e incidir politicamente em relação ao genocídio do povo negro exige uma abordagem que atravesse as diferentes áreas do conhecimento acadêmico. Sempre há a possibilidade de se racializar as discussões levantadas dentro de nossos cursos, não importa se o irmão ou a irmã faz Direito, Ciências Sociais, Enfermagem, Nutrição, Arquitetura, Física, etc.
O fortalecimento da comunidade preta universitária, nos diversos tipos de conhecimento, não irá acontecer por meio das instâncias institucionais da academia. Isso não quer dizer que elas não devam ser usadas de forma estratégica, mas para além disso, precisamos construir espaços autônomos, esses sim ferramentas fundamentais. Somente nesses espaços podemos recuperar nosso conhecimento preto sem a tutela da branquitude, que se apropria a todo tempo dos nossos saberes e ainda os usa contra o povo preto.
Nosso fortalecimento precisa transbordar nós mesmos, irmandade, pois só em coletividade iremos sobreviver.