Os ataques racistas sobre cabelo de francesa que tirou Brasil da Copa

Campeã da Champions League, Wendie Renard foi criticada por ter ‘cabelo ruim’ e ‘duro’. Segundo especialista, o belo segue, ainda em 2019, um padrão que não inclui a etnia negra

por Clarissa Pains no O Globo

Uma das melhores jogadoras de futebol da França, Wendie Renard, de 28 anos, foi alvo de uma série de ataques racistas durante a após a partida que levou à saída da seleção brasileira da Copa do Mundo de 2019. A “gigante” de 1,87m de altura é artilheira entre as francesas neste Mundial e é internacionalmente reconhecida pela qualidade de seu jogo aéreo. Seis vezes campeã da Champions League feminina, ela é a terceira jogadora de futebol mais bem paga do mundo — à frente, por exemplo, de Marta, que é a quinta no ranking. Mas o que muitos brasileiros decidiram destacar ao ver Renard jogar foi… o seu cabelo.

A francesa foi chamada de “preta do cabelo duro” e criticada por jogar com o cabelo solto, a quem muitos se referiram como “pixaim”.

A filósofa Djamila Ribeiro, autora do livro “Quem tem medo do feminismo negro?”, publicou um texto em seu perfil no Instagram no qual questiona: “Quantas de nós já fomos Wendie Renard?”.

Djamila afirmou que esse caso mostra “uma atleta excelente, mas que vira piada” e ressaltou como é frequente e doloroso que mulheres negras tenham de enfrentar situações assim em seu cotidiano.

“Quantas mulheres negras se violentam para atender a imposição de padrão estético? Quantas feridas causadas no couro cabeludo, na autoestima? Quantas violências no cotidiano escolar? Desde ‘não vou dançar com a neguinha do cabelo duro’ a ‘por que você não alisa seu cabelo?’. Só a gente sabe”, diz a filósofa, em um trecho do post.


Wendie Renard e Amandine Henry celebram a vitória do jogo Foto- LUCY NICHOLSON : REUTERS

“Por que Wendie deve atender a um padrão, mesmo aquele estabelecido dentro da comunidade, como se não fôssemos diversas? Por que você se incomoda com o modo pelo qual a jogadora se apresenta? O que isso interfere na sua vida? ‘Ah mas eu acho feio’. Problema seu e de seus gostos condicionados”, complementa ela.

A jornalista Maíra Azevêdo, também conhecida como Tia Má e parceira do “Encontro com Fátima Bernardes”, da TV Globo, também destacou que se reconhece na jogadora francesa. Em um post seu na internet, ela contou que já foi chamada de ‘nega do cabelo duro, que não gosta de pentear’.

“Cabelo ruim, duro, pixaim, bombril… Qual a novidade de rir dos cabelos das mulheres negras? Isso não me assusta, nem me surpreende…eu ouvia “nega do cabelo duro, que não gosta de pentear”…e via as pessoas rindo de mim… Isso estimulou que eu, por muito tempo, me odiasse e odiasse meu cabelo! Não tem graça, é perverso e é cruel! A tentativa de ridicularizar é maior do que a vontade de se informar!”, disse Maíra Azevêdo.

‘O cabelo cacheado é associado à ausência de beleza’

Para Paola Belchior, consultora de diversidade e gestora de pesquisas do Ministério Público do Rio de Janeiro, injúrias raciais deste tipo são tão comuns ainda hoje porque o padrão de beleza definido socialmente deixa de fora tudo o que faz parte da etnia negra.

— O cabelo cacheado é associado à ausência de beleza — afirma ela. — O belo segue outro padrão. Por isso, mesmo quando as pessoas não querem ofender, e sim elogiar, elas se esforçam para embranquecer a mulher negra, dizendo coisas como “você é negra, mas tem os traços finos, por isso é bonita”.  Na sociedade brasileira, isso é muito comum.

Renard cabeceia uma bola durante a partida contra o Brasil Foto- FRANCK FIFE : AFP

Segundo Paola, o caso da jogadora francesa é classificado como injúria racial uma vez que se trata de racismo direcionado a uma pessoa, e não de forma ampla. Cabe processo judicial, de acordo com ela.

— No caso da injúria, é pontual, direcionada a alguém — afirma a especialista. — Eu não esperava que ela (Wendie Renard) fosse sofrer tanta injúria racial. O esporte não está associado a preocupação estética. Em de qualquer modo, por que ela teria que entrar em algum padrão? E por que teria que ser um padrão que é europeu e branco? Qual é o problema de sermos mulheres negras, naturais? É cruel existir tantas críticas por algo natural.

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