Por um pacto em defesa da juventude preta, pobre e periférica

Que se afastem do trabalho informal e da cooptação pelo crime organizado

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022 foram registradas 47.508 mortes violentas intencionais no país. Quando resultantes de intervenção policial, 99,2% são homens, 83,1% negros e 75% com idades entre 12 e 29 anos. Em 2021, a quantidade de presos era de 820.689 e subiu para 832.295 no ano passado. Dos encarcerados, 43,1% têm até 29 anos e 68,2% são negros. A estes somam-se os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio fechado que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, eram 13.684 em 2021 —95,5% meninos.

Para além da trágica perda de vidas humanas, as mortes desses jovens impedem o pleno desenvolvimento econômico do país. Relatório do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) de 2014 informa que os gastos com segurança foram de US$ 91 bilhões —3,78% do PIB. Apresenta ainda cálculo demonstrando que, para cada homicídio de jovem de 13 a 25 anos, perdem-se cerca de R$ 550 mil, e os ocorridos entre 1996 e o início da pesquisa causaram perda cumulativa de capacidade produtiva superior a R$ 450 bilhões. Já os custos com o encarceramento, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), de 2022, indicam que cada prisioneiro custa em média R$ 1.800 mensais aos cofres públicos —quatro vezes os R$ 470 investidos pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) para formar alguém como cidadão e qualificá-lo profissionalmente.

A “juventude PPP” (preta, pobre e periférica), contudo, não é um problema, é a solução. Trata-se de um contingente populacional significativo, em pleno vigor laboral, com imenso potencial de produção de riqueza, ciência, cultura e pensamento que está sendo desperdiçado pela nação. Os programas Juventude Viva, ProJovem, Pronasci, o Sistema Nacional de Juventude e Escola em Tempo Integral são importantíssimas iniciativas do atual governo, mas insuficientes para superar tamanha violência institucional e sistêmica.

Assim, em sintonia com o projeto de reconstrução e pacificação do país, e em busca de enfrentamento dos problemas estruturais que vitimizam essa juventude, é que estamos propondo um grande debate para a criação de um Pacto Nacional em Defesa da Juventude Preta, Pobre e Periférica, nos moldes da Campanha Contra a Fome da década de 1990. Para tanto, compreendemos que seria necessário:

1 – criação, por iniciativa do governo federal, de um Comitê Nacional de Enfrentamento ao Extermínio da Juventude Preta, Pobre e Periférica, com participação dos três Poderes da República, dos três níveis de governo e da sociedade civil organizada;

2 – ampliação e unificação dos programas de concessão de ajuda financeira a alunos do ensino médio, a serem escolhidos dentre os beneficiados pelo Bolsa Família, sob a condição de contrapartidas, rumo a uma espécie de Prouni para esse segmento.

Para a efetividade desse novo programa, todavia, os valores a serem disponibilizados precisariam ir além do socorro emergencial para combater a insegurança alimentar, pois o objetivo seria “disputar” esses jovens com o trabalho informal, mal remunerado e, em especial, evitar a cooptação pelo crime organizado.

Compreendemos que frear a evasão escolar, proporcionando-lhes educação de qualidade e condições para que vivenciem a adolescência com plenitude, dará mais tempo para o amadurecimento e formação de uma mão de obra que, ao ingressar no mercado de trabalho, estará mais qualificada e madura, aumentando, portanto, a produtividade.

Os valores a serem investidos para implementar um programa dessa natureza são altos, mas não proibitivos, considerando a relação custo-benefício. Seu sucesso, contudo, dependerá do nível de engajamento de todos os atores citados acima, e por isso o ponto de partida seria esse pacto, que se nortearia pela preservação da maior riqueza que um país pode possuir: o segmento da população que se destaca pela capacidade de produzir a riqueza material e imaterial, a ser apropriada —de preferência de maneira igualitária— pelo conjunto da população.

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